O GLOBO, n 32.313, 25/01/2022. Política, p. 6

CGU suspeita de fraude em órgão ligado ao Centrão

Aguirre Talento


Auditoria identificou “potencial prejuízo' aos cofres públicos em contrato de R$ 90 milhões do FNDE. comandado por indicados do grupo político, com a UnB, para elaboração de relatórios sobre a Covid-19. O projeto, que está suspenso, gerou repasses para pessoas ligadas a partidos

Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) detectou “potencial prejuízo ao erário” de pelo menos R$ 3,3 milhões e favorecimentos políticos em um convênio assinado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE ), órgão subordinado ao Ministério da Educação e comandado por indicados do Centrão. O contrato sob suspeita gerou repasses para pessoas ligadas a partidos e até mesmo um alvo preso temporariamente pela Lava Jato de Curitiba. Segundo a CGU, a maior parte dos repasses não tem comprovação da prestação de serviços.

O convênio foi assinado pelo FNDE com a Universidade de Brasília (UnB) para financiar um projeto de pesquisa cuja finalidade seria entregar relatórios com sugestão de ações “para minimizar o tempo de recuperação do impacto da Covid-19 na região do Distrito Federal”. Para a CGU, o objeto do contrato é excessivamente genérico e não tem relação direta com a educação básica, área de atuação do FNDE.

Após a auditoria, finalizada em dezembro, o FNDE recomendou à UnB a suspensão do projeto para que fossem feitas correções apontadas pela CGU. Com isso, a execução está paralisada. “O acompanhamento da execução do projeto mostrou-se frágil, tendo em vista que não há qualquer ação de controle”, escreveu a CGU.

Um fato atípico da tramitação do contrato chamou a atenção dos auditores. O processo foi conduzido por um departamento que não tem relação com educação, a diretoria de tecnologia e inovação do FNDE, comandada por Paulo Roberto Aragão Ramalho, indicado pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto. O convênio tem valor total de R$ 90 milhões e foi assinado em outubro de 2020 pelo presidente do FNDE, Marcelo Lopes, indicado por Ciro Nogueira, presidente licenciado do PP e atual ministro da Casa Civil.

Em vez de liberar os recursos por etapas, como é praxe na administração pública, o transferiu de uma só vez a totalidade dos R$ 90 milhões para bancar o projeto, com execução prevista até 2023.

O coordenador do projeto, o economista e professor da UnB José Carneiro da Cunha Oliveira Neto, já trabalhou no governo do Distrito Federal como coordenador de parcerias público-privadas. Diversos bolsistas selecionados como pesquisadores, que não fazem parte do quadro de alunos e pesquisadores da UnB, também passaram por cargos no governo do DF no mesmo período de Carneiro.

Ao analisar parte dos recursos aplicados, a CGU detectou, por exemplo, que um total de R$ 2,4 milhões repassados a bolsistas não tiveram a entrega de relatórios comprovando a produção de pesquisas. Além disso, a CGU identificou que foram selecionados como bolsistas pessoas com ligações político-partidárias com legendas como PP, PTB, PT, PSDB, PMDB e PSB. Esses bolsistas não fazem parte do quadro da UnB.

Dentre eles está, por exemplo, um alvo preso temporariamente pela Lava-Jato de Curitiba em abril de 2016, Paulo Cesar Roxo Ramos, ex-assessor do senador Gim Argello (PTB-DF). Apesar da prisão, Ramos foi absolvido pela Justiça Federal do Paraná e pelo TRF-4. Ele não respondeu aos contatos do GLOBO. O coordenador do projeto disse que Ramos cursava mestrado em Economia na UnB e, por isso, atuou na elaboração do projeto.

Também há entre os bolsistas um ex-candidato a deputado federal pelo PP, partido do Centrão, Amauri Rafael Coelho Pereira, e um diretor do Instituto Força Brasil, Marcelo Lourenço Coelho de Lima. O instituto foi alvo da CPI da Covid por suspeitas de atuar na intermediação de falsa venda de vacinas para o Ministério da Saúde, mas Coelho de Lima não chegou a ser investigado pela comissão. Procurado, Pereira não quis falar sobre quais pesquisas desenvolveu. Coelho de Lima não foi localizado pelo GLOBO.

Até setembro de 2021, havia sido executada uma fatia de R$ 9,1 milhões do valor total do convênio. Por isso, os desvios por meio das bolsas com suspeitas de fraude representam 27% do valor executado.

Outra suspeita envolve a contratação da empresa Holding Be Byte Tecnologia Educacional para apresentar soluções em robótica no valor de R$ 2,1 milhões. A empresa foi criada um mês antes da celebração do convênio e sua primeira nota fiscal foi referente a esse serviço. A CGU detectou que cerca de R$ 1 milhão foi pago à empresa sem comprovação da prestação do serviço.

METAS DETALHADAS

Procurado, o coordenador do projeto, José Carneiro da Cunha, afirmou que não houve irregularidades, que os bolsistas apresentaram relatórios dos trabalhos feitos até agora e que os produtos só serão entregues por eles após 20 meses de trabalho, conforme cronograma estipulado inicialmente. Foi por isso, entretanto, que a execução foi suspensa: a CGU exigiu metas mais detalhadas para entrega dos resultados. Ele afirmou ainda desconhecer vínculos políticos dos pesquisadores.

Responsável pela gestão administrativo-financeira do projeto, a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos da UnB diz que o pagamento das bolsas está suspenso até que sejam realizados os ajustes solicitados.

A UnB afirmou que agiu de forma preventiva quando, em dezembro de 2020, determinou uma auditoria interna especial para acompanhar a execução do convênio, em função do seu elevado valor. A auditoria foi concluída em julho do ano passado, e as recomendações estão sendo implementadas.

O FNDE disse que todas as providências solicitadas pela CGU “foram prontamente tomadas” e que está colaborando com as investigações.