O GLOBO, n 32.314, 26/01/2022. Economia, p. 10

Servidores pedem veto ao corte de R$ 1 bi no  INSS

Fernanda Trisotto, Bruno Goés, Camila Zarur e Martha Imenes


Parlamentares não descartam a derrubada. Fila vai aumentar e faltará 'de computador a papel higiênico: diz associação

O corte de quase R$ 1 bilhão no orçamento do INSS deve afetar ainda mais o atendimento à população, alertam servidores do órgão, que reclamam do sucateamento das agências e apontam para o risco de paralisia nas atividades. A fila de espera pela concessão de benefícios, que já é de 1,8 milhão de pessoas, vai aumentar, dizem.

O dia de ontem foi de mobilização total da entidades representativas dos servidores do Instituto, que planejam pressionar os parlamentares pela derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro, ou pela recomposição do orçamento do órgão. O vice-presidente da Associação Nacional dos Servidores da Previdência Social (Anasp), Paulo César Régis, resume a situação:

— Com esse corte vamos ter problemas de manutenção das agências, vai faltar de papel higiênico até computador. E vamos continuar com os problemas de represamento de pedidos. E se não tem servidor para conceder aposentadoria, não tem o que fazer. É o pior corte que o governo pode fazer —lamentou.

No Congresso, o clima é de preocupação. O senador Angelo Coronel (PSD-BA), relator setorial da Previdência no Orçamento, enfatizou que o corte não foi proposto por ele.

— Sabendo das filas do INSS e da situação dos aposentados e daqueles que precisam se aposentar, não realizei cortes para administração do órgão —disse o senador.

— (O corte) foi uma decisão política do governo federal.

DERRUBADA

O relator do Orçamento, deputado Hugo Leal (PSDRJ), não descarta a defesa da derrubada do veto, caso não haja mudança na posição do governo.

— Houve manifestações dentro do governo federal para tentar fazer alguma recomposição. Isso poderá ser feito de imediato ou por suplementação. Vamos esperar o decreto de execução, que deve ser publicado na semana que vem. A derrubada do veto é o instrumento que está acessível ao Parlamento. Caso não haja solução, vou defender a derrubada —disse o deputado.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), por sua vez, afirmou que a derrubada do veto de Bolsonaro será uma das prioridades da oposição na volta do recesso do Congresso, no início de fevereiro.

A preocupação atinge também aliados do governo, que temem que o veto prejudique Bolsonaro na eleição deste ano. Por causa disso, avaliam, é possível que o Planalto reveja o corte.

PERDAS GERAIS

O INSS perdeu R$ 988 milhões, distribuídos em quatro áreas. A maior redução foi nos recursos para administração nacional, que minguaram em R$ 709,8 milhões.

Os serviços de processamento de dados perderam R$ 180,6 milhões. Outros R$ 94,1 milhões foram retirados de um projeto de melhoria contínua, e R$ 3,4 milhões, da área de reconhecimento de direitos de benefícios previdenciários.

Dados do Painel Estatístico de Pessoal (PEP), do Ministério da Economia, mostram que o número de servidores na ativa do instituto encolheu 37,7% em dez anos. Em 2012, havia 36.417 servidores do INSS na ativa, número que minguou para 22.676 no ano passado.

O advogado Marco Túlio Gomes Vicente prevê enxurrada de ações na Justiça por conta do não pagamento do benefício previdenciário.

—O não pagamento do benefício acarretará em várias ações, pois o direito é líquido e certo —afirmou, ressaltando que pode caber uma futura ação de improbidade administrativa contra o presidente da República.

Moacir Lopes, diretor da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Previdência e Assistência Social (Fenasps), afirma que, na prática, o governo já está promovendo os cortes em benefícios previdenciários:

— Somente pelo fato de atrasar as análises dos requerimentos e barrar as concessões de benefícios, o governo já está impedindo o acesso do cidadão ao que é dele por direito.

ESTRUTURA COMPLEXA

Uma fonte de Brasília, que pediu para não ser identificada, lembra que o INSS é uma autarquia complexa, que tem reabilitação, perícia médica e pagamentos das ações judiciais, ou seja, uma série de outras coisas além da verba de custeio para manutenção da própria estrutura.

A presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Bramante, avalia que as principais áreas afetadas serão justamente as de gestão, estrutura e processamento de dados.

Ela pontua que o INSS, além dos processos em análise, hoje conta com diversos postos de atendimento fechados e está com a estrutura defasada, sendo incapaz de fazer frente às necessidades dos cidadãos que necessitam dos serviços previdenciários.

— Além de cuidar dos benefícios previdenciários e assistenciais, o INSS cuida do regime próprio (de previdência) dos servidores da União, por isso precisa de recursos para investir em tecnologia e em gente. O instituto não precisa de cortes, mas sim de investimentos —disse Adriane.

Atualmente, segundo a Fenasps, o INSS trabalha com um déficit de 23 mil servidores.