Correio Braziliense, n. 22624, 25/02/2025. Política, p. 4

Moraes: país vive o retorno do discurso do “tio do churrasco”


O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou haver uma instrumentalização das redes sociais “por grupos econômicos e ideologicamente fascistas, de extrema-direita”, para corroer a democracia.

As declarações ocorreram durante uma aula magna de recepção aos calouros da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no salão nobre do prédio histórico no Largo do São Francisco.

“Há uma instrumentalização das redes sociais por grupos econômicos e ideologicamente fascistas, de extrema-direita, para corroer a democracia por dentro.

Esse é o grande desafio hoje de quem defende a democracia”, iniciou Moraes.

Moraes afirmou que o Brasil vive o retorno do que chamou de “discurso do ‘tio do churrasco’” — uma visão de mundo preconceituosa, saudosista e ressentida —, o que se deve, no diagnóstico do magistrado, à concentração de renda e à ampliação de direitos a grupos antes marginalizados, como pobres, mulheres e pessoas LGBTQIAP+.

“Vejam que isso pega, principalmente, de início, homens brancos, heterossexuais, em torno de 45 anos para frente”, resumiu. “Esse discurso surgiu por uma revolta contra determinados momentos em que crises econômicas achataram o modo de vida de uma determinada parcela da população. Há pessoas que ficaram com rancor pela universalização de direitos e pela excessiva concentração de renda.” Ele argumentou que grupos políticos extremistas souberam explorar esse sentimento e que as grandes empresas de tecnologia se aliaram a eles em busca da maximização de seus lucros.

“As big techs não são enviadas de Deus, não são neutras, são grupos econômicos que querem dominar a economia e a política mundial, ignorando fronteiras, as soberanias nacionais, as legislações, para conseguir lucro”, frisou.

“A gente não pode deixar de reconhecer a genialidade disso.

‘Democracia é um negócio’, dizem eles. Tudo para as big techs é dinheiro, é um negócio. Só que é um negócio muito mais lucrativo, porque se pode fazer as leis, se pode mandar.” O ministro citou como exemplo o PL das Fake News. O projeto de lei para regulamentar as redes sociais foi retirado de pauta pelo Congresso após amplo lobby e pressão de grandes empresas de tecnologia, como Google e Telegram.

“Todas elas bombardearam nas redes dizendo que os parlamentares eram contra a democracia e a liberdade de expressão.

Os algoritmos fizeram chegar milhares de mensagens aos parlamentares ameaçando, coagindo”, lembrou.

O magistrado desativou, na semana passada, o perfil que mantinha no X (antigo Twitter).

O ministro brincou sobre a decisão de deixar a rede social: “Eu não posso nem sair do X que já me deduram”.