Correio Braziliense, n. 22623, 24/02/2025. Política, p. 5
Marcelo Rubens Paiva agredido
Mayara Souto
O escritor Marcelo Rubens Paiva, de 65 anos, foi agredido, ontem, durante o desfile do bloco de carnaval Acadêmicos do Baixo Augusta, em São Paulo, do qual é o porta-bandeira e um dos fundadores. Um homem que não foi identificado aproveitou que ele se aproximou da barreira que separava os filões da plateia e arremessou contra ele uma mochila e um copo de cerveja.
Os seguranças e integrantes do bloco intervieram, afastaram Marcelo e o agressor, que fez vários xingamentos. “Apesar do susto, está tudo bem, não machucou. O cara jogou cerveja na (minha) cara. Não entendi o que aconteceu.
É meu 16º desfile e nunca fui atacado. Coisa estranha e não entendi o porquê. Jogar uma mochila na cara de um cadeirante, porta-bandeira que quer se divertir, que faz isso há 16 anos.... Não entendi esse grau de violência. Brasil está difícil e ele não deve ter visto o filme”, lamentou Marcelo, que ficou tetraplégico em um acidente, em 1973.
Marcelo usava uma máscara com o rosto da atriz Fernanda Torres, que concorre ao Oscar de melhor atriz pela atuação em Ainda Estou Aqui — ela interpreta a advogada Eunice Paiva, mãe de Marcelo, que escreveu o livre no qual se baseia a película dirigida por Walter Salles. Depois da agressão, ele e o cantor Wilson Simoninha puxaram a música É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo, de Erasmo Carlos, que compõe a trilha sonora do filme. Emocionado e ao lado da madrinha do bloco, a atriz Alessandra Negrini, Marcelo cantou o refrão da canção, escrita na ditadura militar, que fala de repressão e censura.
Redes sociais
A agressão a Marcelo movimentou as redes sociais, com publicações de repúdio. Políticos, sobretudo de esquerda, consideraram o ataque gesto de um extremista de direita.
“A extrema direita semeia ódio e destruição por onde passa. Desrespeitar e agredir uma voz como a de Marcelo Rubens Paiva é inaceitável e um ataque contra todos que lutam por democracia. Chega de intolerância!”, escreveu o senador Humberto Costa (PT-PE).
“Atacar um símbolo da cultura, da memória e da resistência democrática, é um ato covarde que não pode ser normalizado.
Toda minha solidariedade ao escritor, à sua família e a todos que, como ele, seguem firmes na luta por um Brasil mais justo, livre e plural. A intolerância jamais vai calar a cultura e a democracia”, registrou o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS).
“Precisamos acabar com esse extremismo e com esses adoradores de ditadura (pelas vias legais) urgentemente”, sugeriu o também deputado federal André Janones (Avante-MG).
O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) considerou o ataque um ato “fascista”. “A agressão a Marcelo Rubens Paiva, durante uma homenagem à sua família, é também mais um ataque a tudo o que o fascismo despreza: a cultura, as letras, a alegria e o humanismo. A Marcelo, a nossa solidariedade. Para essa gente fascista e covarde, saibam que ainda estamos aqui”, frisou.
A deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) sugeriu que “quererem apagar do nosso passado a ditadura. Também querem calar a voz de quem não deixa ela ser esquecida!”.
O líder do governo na Câmara dos Deputados, Carlos Zarattini (PT-SP), salientou que “ resolveram atacar, no bloquinho Acadêmicos do Baixo Augusta, em São Paulo, Marcelo Rubens Paiva, jornalista e escritor, autor do livro ‘Ainda Estou Aqui’, que deu origem ao filme de Walter Salles que concorre ao Oscar. Inacreditável que a gente assista imagens assim”.
O livro de Marcelo que deu origem ao filme conta a história do pai, o ex-deputado Rubens Paiva, assassinado por agentes da ditadura e a luta da mãe para que o Estado brasileiro reconhecesse que era responsável pela morte e pelo desaparecimento do ex-parlamentar — cujo corpo jamais foi encontrado. Ele sumiu em 1971 e, em 2014, foi emitido um atestado de óbito em que constam as agressões contra ele.
Ainda Estou Aqui concorre em três categorias do Oscar: melhor filme, melhor filme internacional, além de melhor atriz. A entrega das premiações é no próximo domingo.