O GLOBO, n 32.314, 26/01/2022. Economia, p. 11

OCDE convida Brasil, mas cobra queda em desmatamento

Eliane Oliveira, Dimitrius Dantas e Manoel Ventura


País iniciará processo para ingressar na organização com outras 5 nações. E acena com fim do IOF sobre operações cambiais

Os 38 países que integram o Conselho da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico( OCDE) decidiram ontem, por unanimidade, convidar o Brasil, juntamente com outros cinco países, a dar início ao processo formal de ingresso na organização. Mas a OCDE deixou claro, em comunicado, que será rigorosa nas negociações em vários aspectos, incluindo a preservação da biodiversidade e a redução do desmatamento. Por outro lado, o governo quer acelerar as negociações, que podem durar até cinco anos, e fala em um caminho mais rápido, o fast track. Para isso, indicou que vai zerar de forma gradual o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) das operações cambiais até 2029.

É uma das regras da OCDE, que exige de seus integrantes práticas tributárias similares. Ou seja, ao indicar que vai zerar o imposto, o país mostra estar disposto a se adaptar às regras do “clube dos ricos ”.

As negociações ocorrerão, ao mesmo tempo, com os seis candidatos a membros da OCDE: além do Brasil, concorrem a uma vaga Argentina, Peru, Romênia, Bulgária e Croácia. O pedido para ingressar na organização foi feito no governo do ex-presidente Michel Temer e reforçado pela equipe do presidente Jair Bolsonaro. Desde então, o país aderiu a 103 dos 251 instrumentos normativos exigidos para entrar no organismo, sendo que na atual gestão foram 37 adesões.

Nos bastidores, um dos pontos de destaque é o timing do anúncio. O convite foi feito antes do início formal da deste ano, na qual o presidente Jair Bolsonaro deve tentar se reeleger. Além disso, destaca-se que o Brasil não foi convidado sozinho —entre seus pares há governos de todos os matizes. Portanto, terá que mostrar resultado para suprir deficiências e conquistar a vaga. E há entraves.

VALOR DA DEMOCRACIA

A questão ambiental tem sido motivo crescente de preocupação com o atual governo por parte da comunidade internacional, ambientalistas e do próprio empresariado brasileiro, que tem grande interesse no ingresso do Brasil na OCDE, de olho na ampliação de investimentos e no acesso a mercados. As queimadas na floresta amazônica que abalaram o mundo em 2019 e a falta de resultados expressivos na redução do desmatamento na atualidade podem atrapalhar esse projeto. De acordo com a entidade, os candidatos devem assumir o compromisso de promover o crescimento econômico “sustentável e inclusivo” e trabalhar no combate às mudanças climáticas, “incluindo deter e reverter a perda de biodiversidade e desmatamento ”.

“As revisões técnicas abrangerão uma ampla gama de áreas políticas e se concentrarão em questões prioritárias, incluindo comércio e investimento abertos, progresso na governança pública, integridade e esforços anticorrupção, bem como a proteção efetiva do meio ambiente e ação sobre o clima ”, destacou o organismo, em um comunicado divulgado ontem.

Em Brasília, o convite feito ao Brasil é considerado uma vitória diplomática. Porém, a conquista não foi maior pelo convite não ter sido exclusivo ao Brasil, mas ocorrer de forma simultânea a outros cinco países. Esta sempre foi a fórmula defendida pelo secretário-geral do organismo, o australiano Mathias Cormann. Assim, chegará na frente o país que cumprir mais rápido o total de regras exigidas para a adesão.

De acordo com a OCDE, serão preparados roteiros individuais para o processo de avaliação. Os países candidatos devem confirmar sua adesão aos valores, à visão e às prioridades” do organismo, com destaque para a democracia, o Estado de Direito e a proteção dos direitos humanos.

GOVERNO COMEMORA

Se a questão ambiental é ponto de atrito, o governo correu para indicar convergência tributária com a OCDE: zerar, até 2029, a cobrança do IOF sobre transações com o exterior. A medida inclui uso de cartões de débito e crédito no exterior por brasileiros.

Na carta encaminhada à OCDE, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se compromete a reduzir gradativamente, a partir do ano que vem, o IOF cobrado sobre transações com cartão de débito, crédito e cartões pré-pagos. Hoje, a taxa é de 6,38%. Essa alíquota vai ser reduzida em um ponto percentual por ano a partir de 2023, até ser zerada em 2028.

O Brasil também se compromete a zerar o IOF cobrados sobre a aquisição de moeda estrangeira em espécie no Brasil e taxas de câmbio relacionadas à transferência de fundos de residentes brasileiros para sua conta no exterior. Hoje, essa cobrança é de 1,1%. Ela deve ser mantida até 2028, quando seria zerada. Em 2029, o governo se comprometeu a zerar o IOF sobre todos os tipos de transação com moeda estrangeira.

— Essa trilha, esse processo de acesso à OCDE exige do Brasil justamente essa convergência na reforma tributária, na liberalização financeira, nos acordos internacionais. É o reconhecimento pela nossa agenda e ao mesmo tempo um reforço, um compromisso, de seguirmos nos trilhos dessas reformas — afirmou Guedes em evento no Palácio do Planalto, ontem, para comentar o convite.

O chanceler Carlos França anunciou que, com a decisão da OCDE, determinou a criação de uma unidade no Itamaraty dedicada exclusivamente às relações com o organismo, além da prioridade de formação de novos quadros em diplomacia econômica.

Já o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, afirmou que a decisão mostra que o Brasil é visto internacionalmente como um país que respeita os valores dos países membros da OCDE:

— A decisão reflete o compartilhamento pelo nosso país dos valores fundamentais da OCDE, a defesa da democracia, das liberdades, da economia de mercado, da proteção do meio ambiente e dos direitos humanos —disse.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, quer acelerar o processo, que normalmente leva até cinco anos. Ele quer fazer o que internamente é chamado de fast track. Internamente, a justificativa é que o país estaria mais avançado no processo que seus “concorrentes” e que, além de ter cumprido 103 dos 251 requisitos para entrar no “clube dos ricos”, outros 70 requisitos estão sendo avaliados pela organização internacional.

Em nota, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) celebrou o convite: “É um passo de extrema importância para o setor produtivo brasileiro. Tenho certeza de que o processo de negociação trará muitos benefícios para o Brasil e servirá de impulso para alavancarmos reformas importantes, que vão aumentar a competitividade da indústria e promover um crescimento mais sustentável do país ”, disse o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.