O GLOBO, n 32.314, 26/01/2022. Economia, p. 12

Arrecadação federal bate recorde e chega a R$ 1,87 tri

Fernanda Trisotto e Manoel Ventura


Resultado representa alta de 17,36% em relação a 2020 e o maior nível desde o início da série, em 2000. Analistas dizem que situação não se repetirá. Rombo nas contas públicas deve ter fechado o ano passado entre R$ 35 bi e R$ 40 bi

A arrecadação federal foi recorde no ano passado chegando a R$ 1,878 trilhão, de acordo com a Receita Federal, que divulgou as estatísticas ontem. É a maior arrecadação de toda a série histórica, iniciada em 2000. Foi uma alta de 17,36% em relação ao ano anterior, já descontada a inflação.

Mesmo com o bom desempenho, especialistas alertam que a situação para 2022 é de muita incerteza, apesar da convicção do governo de que essa elevação é estrutural.

Outro dado que mostra melhora é a redução no rombo nas contas públicas, antes do pagamento dos juros da dívida, chamado de déficit primário, que deve ficar entre R$ 35 bilhões e R$ 40 bilhões, no melhor resultado desde 2014.

RECUPERAÇÃO OU INFLAÇÃO

O número se refere ao governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) e equivale a 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB). O resultado, que deve ser anunciado hoje pelo governo, reverte um rombo histórico de cerca de 10% do PIB em 2020, com as medidas tomadas para combater a pandemia e seu efeitos econômicos, o déficit foi de R $743 bilhões em 2020,

A arrecadação explica o bom resultado nas contas. Apenas em dezembro, o recolhimento de impostos federais somou R$ 193,9 bilhões, alta real de 10,76% frente a dezembro de 2020. Em oito meses de 2021, a arrecadação federal foi a maior desde 2000.

O secretário da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes, listou entre os pontos determinantes para o desempenho positivo da arrecadação federal o processo de recuperação econômica do país em 2021, e afirmou que essa tendência continuará ase repetir ao longo deste ano:

—Nós temos já uma tendência pelos dados de janeiro de 2022 de que essa retomada do crescimento econômico vai aumentar, será crescente durante o ano de 2022.

Juliana Damasceno, economista da Tendências Consultoria, discorda dessa visão:

—A melhora da arrecadação em 2021 foi motivada por questões que não podemos comemorar. A maior parte dela é conjuntural, porque a gente não comemora inflação alta, câmbio desvalorizado e coisas que são ruins para a sociedade. Além de não poder comemorar, não se pode garantir que esses fatores serão mantidos no ano que vem.

A inflação turbina a arrecadação, já que as alíquotas dos impostos incidem sobre preços mais altos. O dólar em alta explica parte da inflação superior a 10% em 2021.

Por causa da pandemia da Covid-19, além da queda da atividade econômica, houve postergações de pagamento de impostos.

De acordo com o Fisco, o resultado de 2021 pode ser explicado principalmente por fatores não recorrentes, como os recolhimentos extraordinários de R$ 40 bilhões do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Foram arrecadados R$ 393,1 bilhões no ano, crescimento real de 31,1%.

A alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) foi zerada em 2020 e restaurada este ano. Além disso, um decreto presidencial elevou temporariamente as alíquotas do IOF, entre 20 de setembro e 31 de dezembro, para bancar o Auxílio Brasil no fim do ano passado. A alíquota para empresas passou de 1,5% para 2,04%, e a de pessoas físicas subiu de 3% para 4,08%.

Isso se refletiu em aumento da arrecadação. Só em outubro e novembro, foram cerca de R$ 9,8 bilhões arrecadados. Em dezembro, foi de R$ 5,6 bilhões, o que representou um aumento de 135,47% ante o mesmo período de 2020.

PIB FRACO

O crescimento esperado para este ano, inferior a 0,5%, deve conter o aumento da arrecadação, diz Daniel Couri, diretor da Instituição Fiscal Independente.

— Com a economia caminhando para estagnação, não dá para esperar um comportamento igual em 2022. Não se deve esperar um desempenho robusto, mas a arrecadação só vai cair se tiver uma restrição ou queda do PIB muito forte, a exemplo do que ocorreu em 2015 e 2016 —avalia.

A professora da Coppead UFRJ Margaria Gutierrez diz que o cenário é outro este ano e lembra que os juros no ano passado ficaram mais baixos do que vão ficar este ano, outro inibidor do crescimento:

—Esse ano as políticas fiscal e monetária ainda foram expansionistas, mas ano que vem é o contrário.