Título: Inflação: velhas falácias
Autor: Iorio, Ubiratan
Fonte: Jornal do Brasil, 19/05/2008, Opinião, p. A9

Sopra o vento e passa o tempo, trazendo de volta velhos equívocos e, entre eles, esses comentários nos telejornais sobre uma pretensa "inflação" provocada por aumentos nas cotações dos alimentos. Francamente, depois de cinco congelamentos de preços e um criminoso seqüestro de ativos financeiros perpetrados entre 1986 e 1991, além dos acertos do Plano Real, nossos comentaristas econômicos já deveriam saber distinguir entre o que é e o que não é inflação.

Sua causa primária, sempre e em qualquer lugar, é um crescimento na moeda e no crédito sem lastro em aumentos correspondentes na produção, na produtividade e na população. Na verdade, a inflação deve ser definida mais propriamente como essa ampliação na oferta de moeda e crédito, e não como se tornou usual ¿ como um aumento contínuo e generalizado de preços. O uso da palavra inflação com o segundo significado tem gerado muitas interpretações incorretas ao longo dos anos, o que produz diagnósticos equivocados e terapias desastrosas.

Obviamente, expansões monetárias não são a mesma coisa que as elevações em todos os preços que elas provocam, porque causa não é efeito. Inflação significa simplesmente que, se a moeda e o crédito são inflados, os agentes econômicos passam a dispor de mais dinheiro para comprar bens e serviços. Ora, se a oferta desses últimos não cresce à mesma velocidade que a das emissões ¿ o que é de se esperar, pois, no mundo real, tartarugas não conseguem acompanhar lebres ¿ então seus preços crescerão e continuarão a aumentar enquanto a causa persistir.

A batata é mais barata do que o caviar porque sua oferta é muito mais abundante. Em um processo inflacionário, a moeda e o crédito desempenham o papel da batata; e os demais bens e serviços, o do caviar: para comprar as mesmas quantidades de produtos, serão necessárias cada vez mais unidades monetárias, assim como para comprar caviar se gasta mais do que para comprar batatas. É tão simples! Se há mais reais circulando, nada mais natural do que o valor do real diminuir relativamente aos dos demais bens.

Uma das falácias mais repetidas é a de que a causa da inflação não são excessos de moeda e crédito, mas escassez de produtos. É verdade que um aumento de preços ¿ que não deve ser confundido com inflação ¿ pode ser causado tanto por expansões da moeda e do crédito como por escassez de produtos, ou por ambos. O preço do trigo, por exemplo, pode crescer temporariamente por conta de algum problema na safra, mas não há caso, mesmo em economias de guerra, de aumentos generalizados de preços gerados por escassez universal de bens. Na Alemanha pós-guerra de 1923, por exemplo, os preços subiam astronomicamente. Clamava-se contra a escassez generalizada, mas levas de estrangeiros entravam no país para comprar produtos alemães, porque muitos preços eram menores na Alemanha do que em seus países.

Os atuais comentários na mídia sobre "inflação dos alimentos" remetem-nos a um passado que já deveria ter sido sepultado, quando se alardeava a inflação da cenoura, do chuchu, dos barbeiros, das pizzas e até do cafezinho. E nos transportam aos anos 70, quando se falava muito em inflação do petróleo. Por mais importante que seja na economia, nenhum produto é capaz de provocar aumentos permanentes em todos os demais, mas, devido ao péssimo hábito de se olhar apenas para o que os índices mensais de preços refletem, sempre é possível encontrar o vilão da vez, o bandido do mês, aquele preço que subiu acima da média.

Sair em uma noite fria sem estar agasalhado costuma causar gripe, cujos sintomas ¿ dores no corpo, prostração e entupimento nasal ¿ apenas se manifestam dois ou três dias depois. Da mesma forma, a inflação nasce quando ocorre crescimento sem lastro na moeda e no crédito e se torna visível alguns meses depois, quando todos os preços começam a subir sem parar.

Não existe inflação de alimentos, nem da gasolina. Ademais, quando o preço de qualquer produto aumenta, o próprio mercado leva sua oferta a crescer, o que freará seus preços no futuro. Só teremos inflação acima da meta se o Banco Central dormir no ponto e expandir a moeda e o crédito além do necessário, seja para cobrir o crescimento dos gastos públicos, seja para sancionar expectativas provocadas por comentários equivocados.