O GLOBO, n 32.314, 26/01/2022. Brasil, p.8
ALTA ROTATIVIDADE
Renata Mariz e Bruno Alfano
Saída de sexto diretor de educação básica mantém crise no instituto que faz o Enem
O Ministério da Educação (MEC) deu pistas de que repetirá, em 2022, o ciclo de trocas de postos-chave e cortes de orçamento, que, na avaliação de especialistas em educação, marca a gestão do presidente Jair Bolsonaro na área: mais um diretor do Inep pediu exoneração ontem. Após oito meses à frente da Diretoria de Avaliação da Educação Básica, responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Anderson Soares Furtado Oliveira entregou o cargo. A exoneração, a pedido, foi publicada no Diário Oficial.
A saída faz parte de uma série de trocas no comando na coordenação do Inep após uma crise que, às vésperas do último Enem, levou um grupo de 37 servidores a entregar seus postos em cargos de comissão.
Servidor de carreira do Inep, Anderson foi o sexto diretor de Avaliação de Educação Básica do governo Bolsonaro. Ele tentava deixar oposto há algum tempo, em meio a embates com o presidente do instituto, Danilo Dupas.
No pedido de demissão, Oliveira listou, em 18 pontos ,“entregas” feitas no ano passado e no início deste ano pela equipe. Entre elas, a elaboração de um projeto de inteligência artificial aplicada à avaliação educacional, para a correção de redações e revisão de itens. A relação foi interpretada como uma resposta à cúpula do Inep, que teria insinuado falta de ações no departamento.
Para substituir Anderson, foi nomeada Michele Cristina Silva Melo, que estava na direção de Estudos Educacionais desde abril. Doutora em Economia pela UFF, Michele foi professorada universidade entre 2010 e 2015. Depois, foi tecnologista em Orçamento e Finanças no Ministério da Saúde, onde ficou por um ano. Trabalhou na Agência Espacial Brasileira entre 2019 e 2021.
Michele foi levada para o Inep por Dupas, de quem é considerada um braço direito, atuando como presidente substituta e no trato de questões que envolvam interferências no trabalho técnico da autarquia .
Assim que chegou ao Inep, Michele decidiu instalar um comitê editorial para auxiliar a publicação de estudos do instituto. Um servidor relacionou o comitê à censura que diz ter sido aplicada a uma pesquisa de sua autoria que mostrava evidências positivas da política de alfabetização instituída em 2012 no governo de Dilma Roussef, do PT.
Em nota do Inep sobre a substituição, Dupas disse que Michele ficará no lugar de Anderson devido aos bons resultados apresentados na função anterior. “Michele liderou importantes realizações para o Inep em 2021, além de ter realizado um trabalho junto à presidência do Instituto na implantação de novas regras para estudos educacionais e pesquisas na autarquia”, informa o comunicado.
A MAIS IMPORTANTE
A Diretoria de Avaliação da Educação Básica é considerada a mais importante do Inep. É responsável pelo Enem e pelas avaliações essenciais para a medição da qualidade do ensino no país, como as usadas no cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A média de rotatividade no posto no governo Bolsonaro é de um chefe a cada seis meses.
As trocas constantes em cargos de comando no Inep acarretam entraves na gestão do órgão, segundo servidores. Os nomeados, sobretudo se não são do instituto, levam tempo para conhecer o funcionamento e as rotinas da instituição, o que põe em risco cronogramas de provas e a própria qualidade dos exames, dizem funcionários do quadro técnico ouvidos pelo GLOBO sob a condição de anonimato.
Na semana passada, Alexandre Avelino Pereira foi exonerado da diretoria de Gestão e Planejamento do Inep. Um dia depois, coordenadores do departamento foram demitidos das funções comissionadas.
Além das trocas de comando, a redução de verbas também preocupa especialistas. Nos cortes no Orçamento da União neste ano, Bolsonaro retirou R$ 739,9 milhões do Ministério da Educação.
O Inep perdeu R$ 24 milhões e o Capes, responsável por incentivar e avaliar a pesquisa no ensino superior, teve R$ 12 milhões retirados. Nas duas autarquias houve debandadas de técnicos entregando os cargos em protesto contra as presidências no fim do ano passado.
A área mais atingida, no entanto, foi a de educação básica: R$ 402 milhões a menos. Os cortes retiraram R$ 325 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, R$ 55 milhões que iriam para a área infraestrutura e R$ 22 milhões que seriam destinados ao transporte escolar.
Em nota, a ONG Todos Pela Educação apontou que “a retomada das aulas presenciais, com todas as implicações decorrentes da pandemia, não suporta o corte no montante previsto e aprovado pelo Congresso Nacional” .