O GLOBO, n 32.314, 26/01/2022. Economia, p. 9
EXCESSO DE DEMANDA
Gabriel Shinohara e Glauce Cavalcanti
BC suspende site de consultas, mas registra R$ 900 mil em devoluções
A expectativa de milhares de brasileiros de recuperar recursos “esquecidos” em contas bancárias foi frustrada ontem com a suspensão temporária, pelo Banco Central, do acesso ao Sistema de Informações de Valores a Receber (SVR). O site do BC não suportou o excesso de demanda, o que levou à decisão de suspender o funcionamento, a fim de estabilizar o sistema. Ainda assim, em menos de 24 horas no ar, o SVR possibilitou 8,5 mil solicitações de devolução de dinheiro, no total de R$ 900 mil. Os recursos serão transferidos via Pix em até 12 dias úteis. Foram 79 mil consultas.
“Estamos trabalhando para que o funcionamento dos sites seja normalizado o mais breve possível e também para o retorno do SVR. Manteremos o público informado quanto a esses desenvolvimentos e pedimos desculpas pelo transtorno”, explicou o BC em nota.
O site já havia saído do ar na noite de segunda-feira, horas após o BC anunciar oficialmente que a ferramenta já estava funcionando.
FALTA DE INFRAESTRUTURA?
Até o fechamento desta edição, o site permanecia instável. Há um aviso sobre a suspensão temporária do SVR e um botão para acessar a página do BC. O link, no entanto, nem sempre funciona.
No total, o BC estima haver R$ 8 bilhões “esquecidos”, em contas correntes ou poupança encerradas, ou recursos de tarifas cobradas indevidamente. Nesta primeira fase, são R$ 3,9 bilhões para 28 milhões de pessoas ou empresas.
Posteriormente, o objetivo é incluir no SVR contas encerradas em corretoras ou distribuidoras de títulos mobiliários. Com isso mais R$ 4,1 bilhões poderiam ser recuperados.
Para Rafael Umann, CEO da Azion, empresa que provê serviços de infraestrutura em tecnologia, dois fatores podem ter derrubado o site: a falta de infraestrutura para suportar o volume de acessos, ou a programação do sistema. Umann explica que se for o primeiro caso, o problema poderia ser resolvido em poucas horas, com o aumento de capacidade dos servidores. Já se o sistema precisar ser reescrito por programadores, pode levar alguns dias para retornar.
Daniel Arruda, sócio da Ismac, plataforma de cibersegurança para empresas, também vê diferentes possibilidades:
— Pode ter ocorrido em razão de o número de servidores disponíveis para o site não ter dado conta do volume de tráfego ou pela falta de um sistema que permita abrir novos servidores em caso de aumento de demanda.
Umann observa que o “efeito surpresa” tende a se dispersar, reduzindo a demanda no site. Segundo ele, o episódio se assemelha a uma Black Friday, quando os sites de varejistas precisam se preparar para a demanda:
— São 10, 20, 30 vezes mais acessos do que em um dia comum.
Para Bruno Giordano, diretor de Segurança da Informação da Ativy Digital, talvez tenha faltado fazer um teste de estresse mais intenso do sistema, para verificar o limite de processamento de aplicações.
— Acredito que eles devam ter mensurado, mas, na simulação de estresse que fizeram, não calcularam essa carga, não imaginaram que fosse possível causar uma interrupção dos serviços —explica.
Arruda diz ainda que o problema pode estar ligado ao tipo de dado processado:
—O BC lida com dados sensíveis. A infraestrutura tem de ter segurança adequada, não pode usar servidores públicos. É um problema simples de solucionar, mas a solução tem de preservar a segurança dos dados e passar pela burocracia de um órgão ligado ao governo.
‘SEDE AO POTE’
A corrida por possíveis recursos é compreensível, sobretudo em um momento de inflação alta e renda em queda, diz Andrew Frank Storfer, diretor executivo da Anefac:
— Quando a população vê a possibilidade de conseguir dinheiro em algum lugar, vai com muita sede ao pote. São dois anos de pandemia, com desemprego muito alto e renda média menor.
E, ainda que a maior parte das pessoas deva receber apenas poucos reais, até centavos,“não é esmola, mas direito do cidadão e das empresas”:
— É dinheiro que fica lá, não é corrigido, mas os bancos utilizam —afirma.