O Estado de S. Paulo, n. 47989, 08/03/2025. Economia & Negócios, p. B2

Produtos com tributo zerado respondem por menos de 5% do IPCA.
Márcia de Chiara
Giordanna Neves

 

 

Um dia depois de o governo anunciar medidas para tentar segurar o preço dos alimentos no varejo, focadas especialmente na redução a zero do Imposto de Importação de dez produtos – entre eles, carne, café e açúcar –, economistas começaram a avaliar os efeitos concretos do pacote na inflação. E confirmaram, com números, a primeira impressão que tiveram: de que o impacto das medidas será muito pequeno nos índices que medem o custo da alimentação no domicílio.

Nas contas do economista Fabio Romão, da LCA 4 Intelligence, o impacto da zeragem das alíquotas será de 0,2 ponto porcentual no ano. “Efetivamente, pouco muda”, diz ele. Para chegar a esse resultado, foram considerados alguns pontos. Um deles é o fato de o Brasil ser o maior produtor e exportador de carne, café e açúcar. Portanto, a redução do Imposto de Importação terá um impacto pequeno nos preços desses itens.

Além disso, entrou na conta o efeito da redução do tributo sobre o milho e sobre os preços e os custos da ração na alimentação das aves. No caso do azeite, Romão observa que a queda de preço já era esperada por causa da melhora da produção de azeitonas na Europa, cuja safra havia sido castigada pelo clima.

Antes das medidas, a consultoria projetava que a alimentação no domicílio encerrasse este ano com alta de 7,3%. Agora, espera um avanço de 7,1%. Para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) como um todo, no entanto, a projeção para o ano está mantida em 5,6%.

De toda forma, Romão ressalta que, apesar da perda de fôlego esperada para a inflação no domicílio deste ano para 7,1% – ante um aumento de 8,2% em 2024 –, o resultado previsto ainda é “bastante importante, mesmo com essa parcial desaceleração”.

Já a economista-chefe da Life Time Gestora de Investimentos, Marcela Kawauti, não se arrisca a calcular o impacto das medidas no IPCA, mas ela acredita que o efeito será muito pequeno e que não irá resolver o problema da alta de preços.

“Efetivamente, pouco muda (com o pacote)”

Fabio Romão

LCA 4 Intelligence

“Não dá para reduzir a discussão a meia dúzia de itens nem tão relevantes assim”

André Braz

FGV

“Não sabemos quanto teremos, de fato, de aumento de safra, qual será a composição de produtos importados versus os exportados”, diz, justificando a impossibilidade de se chegar a um dado sobre o reflexo nos preços da comida e na inflação.

Levantamento feito por Marcela mostra a pequena participação no custo de vida dos itens cuja alíquota do Imposto de Importação será zerada. No IPCA-15 de fevereiro, a prévia da inflação, juntos esses itens responderam por 4,98%. “O que mais pesa é a carne, com participação de 2,87%, e os demais não têm fatia relevante”, observa a economista.

Essa também é a análise de André Braz, coordenador dos índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. Ele observa que o azeite não é item da cesta básica, assim como o óleo de girassol. Também o efeito da redução do imposto de importação do milho é indireto no preço de frango e ovos. “Não dá para reduzir a discussão ( da inflação de alimentos) a meia dúzia de itens nem tão relevantes assim”, afirma.

CÂMBIO. Marcela frisa que a alta de preços dos alimentos carrega um componente muito importante de pressão: a valorização do dólar em relação ao real. E que parte desse efeito ainda não foi repassado ao consumidor. “A inflação de alimentos deve continuar pressionada no IPCA, mesmo com essas reduções ( de Imposto de Importação)”, prevê.

O caminho escolhido pelo governo de zerar o tributo, na prática, é uma renúncia fiscal, diz a economista. Ela ressalta que essas medidas colocam mais pressão sobre as finanças públicas, que levaram à alta do dólar. “Também não sabemos como será compensada a zeragem desses tributos.”

“O impacto ( das medidas) vai ser marginal”, afirma Braz. Na sua avaliação, as medidas anunciadas são uma resposta a um problema grave que o governo enfrenta – o aumento de preços dos alimentos –, que afeta a sua popularidade. No entanto, argumenta que essas medidas estão muito longe de ser uma solução ideal para o problema.

Segundo Braz, não há fórmula para resolver essa questão no curto prazo. Mas ele acredita que a resposta mais rápida seria o governo demonstrar que está buscando o equilíbrio fiscal. “Não prometer aquilo que não vai cumprir, mas mostrar que está preocupado e alinhado com o ajuste fiscal.” Essa sinalização, diz ele, poderia aumentar as chances de ocorrer uma valorização cambial, e isso traria um alívio para os preços dos alimentos e outros itens do IPCA. •