O Estado de S. Paulo, n. 47990, 09/03/2025. Economia & Negócios, p. B1
Favorecido no comércio com os EUA, Brasil tenta adiar tarifaço
Carlos Eduardo Valim
O Brasil tarifa, em média, em 11,2% os itens americanos, diz relatório do Itaú. No sentido inverso, a taxa média é de 1,5%.
Ao falar sobre como seu governo passou a tratar os parceiros comerciais, o presidente dos EUA, Donald Trump, citou o Brasil em discurso ao Congresso. “União Europeia, China, Brasil, Índia, México e Canadá e diversas outras nações cobram tarifas tremendamente mais altas do que cobramos deles”, disse ele, na noite de terça-feira.
Desde que assumiu o cargo, em janeiro, o republicano ameaça aliados comerciais com tarifas. Dois deles, México e Canadá, que têm um acordo de livrecomércio com os EUA, conseguiram em duas negociações diferentes adiar a vigência de novas taxas de 25% – a última delas na quinta-feira passada. A China teve destino diferente e já paga sobretaxa de 20% para enviar mercadorias aos EUA.
O Brasil, quase sempre citado por Trump como parceiro comercial que leva vantagem sobre os EUA, já pode começar a sentir os efeitos da gestão Trump na próxima quarta-feira, quando começa a valer a taxação decretada pelo republicano para o aço. O governo brasileiro ainda tenta reverter a decisão e conseguir, como mexicanos e canadenses, um adiamento do tarifaço.
Estudo Itaú aponta que Brasil taxa, em média, em 11,2% itens dos EUA, que tarifam produtos brasileiros em 1,5%
Em relatório enviado ao Congresso americano pela Casa Branca sobre como as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) prejudicariam os EUA, técnicos do governo americano mencionam repetidas vezes queixas que o Brasil faz ao órgão regulador mundial do comércio exterior contra os EUA.
Hoje, as transações comerciais são amparadas pelo conceito de tarifa consolidada média, que é a taxa máxima de importação que um país pode aplicar sobre um produto, conforme a OMC. Esse limite, em geral, é maior do que as tarifas efetivamente aplicadas. Se for excedido, o país pode ser alvo de pedido de retaliação no órgão regulador.
No documento remetido ao Legislativo dos EUA, o gabinete da presidência americana escreve que “um dos resultados dos fracassos de negociações é que muitas potências comerciais continuam a ter tarifas consolidadas muito altas em relação às aplicadas pelos EUA”.
O primeiro exemplo citado é o do Brasil, que tinha, em 2023, tarifa consolidada média de 31,4% e aplicava taxa de 11,2%. Já os Estados Unidos possuíam tarifa consolidada média de 3,4%, mas a cobrança na prática ficava em 3,3%.
Relatório publicado em janeiro pelo Itaú Unibanco diz que o Brasil tarifa, em média, em 11,2% os produtos importados americanos, enquanto os Estados Unidos aplicam uma média de apenas 1,5% para os itens brasileiros. O relatório, assinado pelos economistas Igor Barreto Rose e Julia Marasca, avalia que o País pode ter prejuízos se Trump, de fato, aplicar uma tarifa “universal” de 10% ou se adotar como princípio a equiparação das taxas. •
Até agora, o presidente Donald Trump manteve o nariz empinado e os olhos espremidos. Mas, desde quinta-feira, começou a piscar – e a vacilar.
Adiou por um mês o início da vigência do tarifaço sobre o Canadá e o México depois que, um dia antes, já decidira reduzir a zero as importações de veículos também do Canadá e do México. Ele justificou a repentina mudança: “Não quero prejudicar a indústria de veículos dos Estados Unidos”.
Isso quer dizer bem mais do que passou a admitir. Caiu a ficha de que o piloto mexeu tanto nos botões da cabine do boeing que agora já não sabe como se comporta o avião.
Seu tarifaço e tudo o que o vem acompanhando começaram a desmantelar as complicadas cadeias de produção e distribuição. Nem um celular nem uma bicicleta se produzem a partir de chips e peças de um único país. O sistema produtivo passou a ter relações intrincadas e globalmente interdependentes. A imposição unilateral de tarifas e a escala pretendida deixaram as administrações da indústria, da agricultura e do comércio sem saber para onde dirigir os novos pedidos e, principalmente, sem condições de canalizar os novos investimentos: A que prazos de entrega? A que preços? A que câmbio?
Afora o lema geral do Make America Great Again, até agora, ninguém entendeu os objetivos pretendidos. É para cortar os fluxos de imigração indesejada? É para bloquear a entrada de drogas? É para combater a competição desleal do comércio? É para dar uma resposta aos países “que nos tratam mal”? Ou é para aumentar as receitas do Tesouro, para posterior redução da carga tributária geral, como outras vezes
Trump tem argumentado, mesmo sabendo-se que tarifa aduaneira é um imposto regulatório e não, arrecadatório.
E há as retaliações, que começaram e não se sabe até onde irão. Elas terão impacto sobre a produção e sobre o nível de emprego dos Estados Unidos.
Além disso, as sobretaxas obrigam o importador a repassar o aumento de custos para o preço final. Os produtores de veículos dos Estados Unidos avisaram que o preço do carro, mesmo o montado internamente, deve ficar em dólares cerca de 25% mais alto. Ou seja, o tarifaço de Trump aumentará a inflação. E isso não ficará por aí. À medida que o custo de vida subir, o Fed (banco central dos EUA) terá de acionar os juros.
Outra fonte de incerteza, dessa vez institucional, é a de que a política de comércio exterior dos Estados Unidos é prerrogativa do Congresso. Até agora, Trump se comportou como se fosse a mãe Joana da casa. São decisões que, em tese, podem ser contestadas no Congresso ou na Justiça. Mas, outra vez, como, nessas condições, uma empresa pode traçar sua estratégia?
Não está claro até onde vai a piscada de Trump. Por enquanto ela parece se limitar à desorganização já produzida entre as montadoras dos Estados Unidos. Mas essa é uma confusão global que apenas começou.