O GLOBO, n 32.314, 26/01/2022. Brasil, p. 8
''DESIGUALDADE VAI CRESCER ENTRE PAÍSES”
Tracey Bums. PESQUISADORA DA OCDE
Adiado pela pandemia, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), maior teste de Linguagens, Matemática e Ciências do mundo, a ser realizado em 2022, mostrará aumento na desigualdade entre países e dentro deles, avalia Tracey Burns. Ela é chefe de pesquisa do Centro de Pesquisa e Inovação Educacional da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que convidou ontem o Brasil a iniciar o processo de adesão ao bloco. Tracey conversou com O GLOBO em Doha, no Qatar, durante o Wise, Cúpula Mundial de Inovação para a Educação.
É possível prever o impacto da pandemia no próximo Pisa?
É a questão que todos querem saber (risos). Honestamente, não sei. Existem algumas possibilidades interessantes. Uma é que a gente veja os mesmos resultados. Se você olhar para os países com melhores notas, são os asiáticos, que foram muito impactados pela Covid, mas conseguiram controlar a pandemia relativamente bem e seguir em frente, enquanto o mundo ainda tinha problemas. E também há países como Estônia, Nova Zelândia e Canadá, que foram muito bem e lideram os rankings. Mas temos o exemplo da Suécia, cujo sistema de saúde decidiu fingir que não havia uma doença nova, deixou as escolas abertas o tempo todo e, se eles forem muito bem, esse pode ser um argumento de que foi um acerto. Mas honestamente não sei o que pode acontecer.
Mas você acha que pode aumentar a desigualdade?
Com certeza. Entre países, mas também dentro dos países. Há três fatores para analisarmos o impacto do aprendizado digital: Quem tem acesso? Se você tem acesso, quem tem as habilidades para usar? E quem tem pais que podem ajudar as crianças com as tarefas que estavam sendo feitas apenas em casa? Já sabemos, por antigos resultados do Pisa, que crianças que menos têm acesso são as que menos têm as habilidades e as que menos têm pais que podem ajudá-las, se tiverem algum problema. Estou muito preocupada com esse aumento da desigualdade.
Como a pandemia mudará a educação no mundo?
Em três coisas. A educação ficará mais confortável com o digital. A segunda é que vamos questionar as formas de avaliação. Durante os últimos cem anos, foi usado o mesmo modelo que acabou sendo alterado em 2020. Isso abre uma oportunidade. O que acontecerá depois, não tenho certeza. Mas pode haver mudanças. A última coisa é que acho que muitas pessoas entenderam que a escola é uma importante instituição social.
A entrada com mais força do digital é positiva?
Não tenho certeza. Acho que é uma boa mudança porque nosso mundo está se encaminhando para um lugar em que o digital é realmente indispensável para nossa vida. E se você não pode participar, há risco de exclusão. Isso é parte do processo democrático de ser um cidadão. E a educação precisa acompanhar isso. Minha preocupação é que algumas vezes a mudança é superficial, não é bem adaptada e ainda é possível ver diferenças entre as crianças que têm essas habilidades, com bons professores e equipamentos, e as que lutam com professores que também não têm as habilidades, sem ferramentas. É uma nova forma de fratura social, de desigualdade na escola.