O Estado de S. Paulo, n. 47990, 09/03/2025. Economia & Negócios, p. B2
Disputa entre China e EUA deve beneficiar menos o Brasil agora
Carlos Eduardo Valim
Um relatório do Itaú Unibanco, assinado pelos economistas Igor Barreto Rose e Julia Marasca, mostrou que o Brasil, em uma nova rodada de conflito comercial inaugurada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, não deve ter as mesmas vantagens que conseguiu no primeiro mandato do republicano (2017-2021), quando ele também adotou estratégia parecida para lidar com parceiros comerciais.
Um dos motivos, explica o relatório do Itaú, é que a China não deve ter a capacidade de absorver mais exportações brasileiras de produtos como soja e aço. Na ocasião, o Brasil se transformou no principal fornecedor de soja para Pequim.
“Até poderia ter um espaço para vender um pouco mais, mas não na magnitude que houve em 2018 e 2019”, escreveu Barreto Rose, no documento.
CENÁRIOS.
Um outro relatório, feito pelo Bradesco em fevereiro, avaliou três cenários possíveis de aplicações de tarifas maiores pelos EUA ao Brasil. Se for adotada a reciprocidade, a tarifa média americana para produtos brasileiros poderá subir mais de nove pontos porcentuais, com uma redução de cerca de US$ 2 bilhões nas exportações – o que representaria 5% do total vendido pelo País ao exterior.
Caso Trump aumente as tarifas de importação de produtos brasileiros para 25%, assim como ameaça fazer contra o México e Canadá, o banco estima uma redução de US$ 6,5 bilhões das exportações brasileiras. O impacto maior ficaria com os bens intermediários (os mais vendidos para os Estados Unidos) e em combustíveis, uma vez que a diferença é bastante grande entre a tarifa atual, de apenas 0,2%, e a taxa possível de 25%.
Um terceiro cenário contempla o Brasil retaliando as medidas americanas e ampliando as suas tarifas para produtos americanos para 25% também. Como resultado, as importações recuariam cerca de US$ 4,5 bilhões, e haveria repasse para a inflação com impacto máximo potencial de 0,3 ponto porcentual.
DÉFICIT.
Segundo as estatísticas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o Brasil teve pequeno déficit comercial de US$ 253 milhões com os Estados Unidos em 2024. O País exportou US$ 40,330 bilhões e importou US$ 40,583 bilhões no ano passado.
Esses dados fazem dos Estados Unidos o segundo maior parceiro comercial do Brasil (depois da China), o segundo maior destino das mercadorias brasileiras e a terceira maior fonte de importações.
Em 2024, os EUA foram o destino de 12% das exportações brasileiras e a origem de 15,5% das importações nacionais (US$ 40,7 bilhões). A corrente de comércio alcançou 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no ano passado.
Em um recorte temporal iniciado em 2014, dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Mdic indicam que as importações brasileiras de produtos vindos dos Estados Unidos foram 11,85% superiores às exportações.
Na soma do período, as exportações do Brasil para os Estados Unidos chegaram a US$ 337,8 bilhões; e as importações, a US$ 377,8 bilhões. O saldo da balança comercial no período indica que o Brasil “comprou” US$ 40 bilhões a mais do que “vendeu” para os Estados Unidos.
MAIOR DEPENDÊNCIA.
Na mão contrária, o Brasil é apenas o nono país que mais importa dos Estados Unidos e o 18.º que mais exporta aos americanos, o que reforça o discurso de Trump de que muitos parceiros comerciais dependem mais do comércio com os americanos do que o contrário. Entre os exportadores para os Estados Unidos, o Brasil fica atrás de diversos países asiáticos, como a Tailândia, Vietnã e Malásia.
“Vendo as estatísticas, somos deficitários no comércio bilateral com os EUA. Assim, o Brasil está bem posicionado para negociar”, disse ao Esta
dão o embaixador do Brasil em Washington entre 1999 e 2004, Rubens Barbosa. “Trump tem falado que quer conseguir concessões de países com grandes superávits na balança com o seu país. O Brasil não é esse caso.”
Para o ex-ministro das Relações Exteriores e do Desenvolvimento Celso Lafer, Trump utiliza conceitos antigos de reciprocidade nas relações comerciais, trazendo de volta princípios de equiparação tarifária da guerra comercial ocorrida na década de 1930, que parte dos acadêmicos considera ter sido uma das responsáveis pela longa duração da Grande Depressão econômica de antes da 2.ª Guerra.
“O GATT ( sigla em inglês para Acordo Geral de Tarifas e Comércio), quando foi criado, logo após a 2.ª Guerra Mundial, e depois a OMC, foi uma reação ao protecionismo dos anos de 1930, e trouxe a ideia do comércio como um caminho de paz”, afirma o ex-chanceler. •
“Trump tem falado que quer conseguir concessões de países com grandes superávits na balança com o seu país. O Brasil não é esse caso; está bem posicionado para negociar com os Estados Unidos”
Rubens Barbosa
Embaixador do Brasil em Washington entre 1999 e 2004