O GLOBO, n 32.315, 27/01/2022. Política, p. 8
Lula descarta Dilma em eventual novo governo
Ivan Martínez-Vargas
Petista elogiou ex-presidente do ponto de vista técnico, mas fez ressalvas na área política e disse que pretende se cercar de novos quadros caso seja eleito para o Planalto. Com sua gestão no alvo de Bolsonaro, ela virou embaraço à campanha
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu a entender ontem que a ex-presidente Dilma Rousseff não terá nenhum papel efetivo em seu eventual novo governo. Dilma tem sido motivo de polêmica interna no PT. Uma ala considera que exibi-la durante a campanha pode prejudicar o petista eleitoralmente.
Outro constrangimento é que Lula tem buscado apoio de partidos e políticos que estiveram à frente das articulações para o impeachment da ex-presidente, em 2016. O ex-governador paulista Geraldo Alckmin (sem partido), por exemplo, foi defensor do impeachment e é desejado por Lula para ser vice em sua chapa.
Principal adversário do petista nas eleições deste ano, o presidente Jair Bolsonaro tem comparado seu governo com os anos Dilma, que tiveram indicadores econômicos piores, e não com a gestão Lula.
— O tempo passou, tem muita gente nova no pedaço e eu pretendo montar o governo com muita gente nova, muita gente importante e com muita experiência também. A Dilma é uma pessoa pela qual eu tenho o mais profundo respeito e carinho. A Dilma tecnicamente é uma pessoa inatacável, tem uma competência extraordinária. Onde ela erra, na minha opinião, é na política—disse Lula em entrevista à rádio CBN Vale do Paraíba.
Dilma não esteve no último evento público em torno de Lula, um jantar promovido pelo grupo de advogados Prerrogativas, que reuniu caciques políticos de vários partidos em São Paulo no final do ano passado. Ela não foi convidada, mas vários defensores de seu impeachment que podem vir a apoiar Lula na eleição deste ano estavam presentes.
Para o ex-presidente, Dilma não tem o traquejo nem a paciência que a política exige.
—Ela não tem a paciência que a política exige que a gente tenha para conversar, para ouvir as pessoas, para atender as pessoas mesmo quando você não gosta do que as pessoas estão falando. Eu sou daqueles políticos que se o cara estiver contando uma piada que eu já sei, não vou dizer que já sei essa, não, conta outra vez. Tudo bem, se for necessário rir (...). Nisso eu acho efetivamente que cometemos um equívoco pela pressão em cima da Dilma (em 2016) —disse Lula.
Vice-presidente do PT, Washington Quaquá já disse publicamente que a ex-presidente “não tem mais relevância eleitoral”. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, saiu em sua defesa e disse que Dilma é “importante e orgulha o partido”.
Sobre a eventual chapa com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin como vice, Lula afirmou que ela depende da escolha do ex-tucano sobre em qual partido deverá se filiar. Alckmin mantém conversas mais avançadas com o PSB, mas foi convidado, também, pelo PSD de Gilberto Kassab.
As conversas do PSB com o PT para uma aliança nacional e até para a formação de uma federação partidária emperraram por causa das eleições para o governo de São Paulo. O PT não abre mão de lançar o ex-prefeito da capital Fernando Haddad, enquanto os socialistas insistem no nome do ex-governador Márcio França. Os petistas argumentam que Haddad leva vantagem nas pesquisas, mas o PSB não concorda com esse critério de escolha.
Ao longo da entrevista, Lula teceu elogios a Alckmin, seu ex-adversário político, a quem chamou de “companheiro”, e afirmou que a eventual aliança seria benéfica tanto para o ex-tucano quanto para ele.
— Se a gente vai fazer uma chapa comum depende (...) de eu ser candidato e da filiação do companheiro Alckmin a um partido político adequado que faça aliança com o PT. Espero que o PT compreenda a necessidade de fazer aliança — afirmou Lula, que lidera com ampla vantagem as pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais deste ano.