Título: Amazônia, ONGs e bandalheiras
Autor: Ana Maria Tahan
Fonte: Jornal do Brasil, 27/05/2008, País, p. A2

Com a Amazônia na ordem do dia, o governo anuncia para os próximos dias o levantamento sobre as organizações não-governamentais que atuam na região sob as mais diversas motivações, entre as quais, muitas criminosas ou ilegais. Há gente graúda, daqui e do exterior, envolvida em atividades suspeitas sob o guarda-chuva de tais entidades. A sopinha de letras que as precede envolve perto de 100 mil denominações diferentes e centenas de sócios acobertados por laranjas ou registros em paraísos fiscais mundo afora.

Até por isso, e porque o controle sobre a atividade de um número tão exponencial de ONGs com ou sem grife é precário no Brasil, sequer se pode confiar que sejam mesmo 100 mil as que atuam na Amazônia. O diagnóstico, a ser divulgado pelo governo, tornará o quadro preciso e tem o objetivo de separar o joio do trigo. Separar as entidades seriamente envolvidas com as causas indígenas daquelas que, disfarçadas pela retórica, espionam riquezas, biodiversidade e potencial mineral para investidores e predadores de fora do país. O governo quer criar um cadastro nacional dessas entidades, impor limites àquelas que atuam sob outras bandeiras e mudar a Lei dos Estrangeiros, como informou o JB de domingo, em reportagem de Vasconcelo Quadros. O Brasil está se transformando no paraíso das ONGs. Tem para tudo e para todos os gostos. A tal ponto que, por exemplo, há mais organizações não-governamentais no Rio para cuidar de menores abandonados do que menores abandonados a proteger.

Estima-se que no Brasil atuem 275 mil ONGs. A Controladoria-Geral da União registra que 7.888 receberam recursos públicos federais entre 1999 e 2006. Abocanharam R$ 28 bilhões no período. Um total de 325 caíram na malha fina da CGU e estão sob processo de fiscalização intensiva. Nada mais justo. Há irregularidades para fazer morrer de inveja até o mais criativo autor de telenovelas do país. Aguinaldo Silva, Gilberto Braga e Cia. perdem longe em invenção de maracutaias para tais organizações.

Mas não há auditoria capaz de detectar a selva de ilegalidades e convênios nessa floresta de entidades que levam dinheiro público (federal, estadual e municipal) e privado. Só para se ter uma idéia, em depoimento à CPI das ONGs do Senado, o procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado, informou que a União não fiscalizou repasses de R$ 12,5 bilhões a entidades vinculadas ao Executivo no ano passado, 39% dos quais resultado de convênio com o Ministério da Educação. "Só não desvia dinheiro quem não quer", observou desolado.

A CPI das ONGs é um capítulo à parte. Os governistas dão de lavada na oposição e abrem ou fecham portas de investigação a seu bel-prazer. Teve, contudo, o mérito de trazer o tema à ordem do dia. Os trabalhos parecem longe de acabar, se é que vão chegar ao fim algum dia. De qualquer forma, identificou algo em torno de uma centena de funcionários do governo que são ou foram dirigentes de organizações não-governamentais. São suspeitos de facilitar a coleta de dinheiro público (que saiu do bolso de cada contribuinte) para as instituições que integram ou integraram. Foram flagrados graças ao cruzamento de informações com uma lista que envolvia 700 servidores do Legislativo e do Executivo. Outra parcela, de igual quilate de dupla militância, serve nos gabinetes do Congresso.

Outra descoberta interessante coube, por ironia, a uma ONG americana, a Essential Action. Registra que nove entidades brasileiras de defesa de doentes são financiadas por fabricantes de medicamentos. Uma dessas organizações, teoricamente voltada para pacientes com linfoma e leucemia, com atuação em São Paulo, recebeu R$ 1,5 milhão de multinacionais dos remédios. Servem aos pacientes ou aos laboratórios? Quem as controla? Quem as fiscaliza?

Ao determinar, em dezembro, que se passassem as ONGs com atuação na Amazônia pelo pente fino, o ministro Tarso Genro defendeu o controle para que as entidades não se tornassem um espaço amplo de atuação de aventureiros. Os casos acima citados comprovam que as investigações precisam estender-se por todo o território nacional. É dinheiro demais em jogo para que os bons paguem pelos desvios dos estelionatários.