Correio Braziliense, n. 22625, 28/02/2025. Cidades, p. 16
Lei mais dura com feminicidas
Carlos Silva
Letícia Mouhamad
O Tribunal do Júri de Samambaia condenou Daniel Silva Vitor, de 43 anos, pelo feminicídio de Maria Mayanara Lopes Ribeiro, 21. A pena foi fixada em 43 anos e 4 meses de prisão, em regime fechado, sem possibilidade de recurso em liberdade. Essa foi a primeira condenação no Brasil com base na Lei nº 14.994/2024, conhecida como “Pacote Antifeminicídio”, que endureceu as penas para esse tipo de crime.
Maria Mayanara foi assassinada em 14 de novembro de 2024, no assentamento Leão Judá, em Samambaia. De acordo com a família, na noite do crime, Daniel chegou embriagado em casa e viu Maria falando ao telefone. Foi então que, num ataque de fúria, começou a espancar a vítima. A mãe dela, que era a pessoa na ligação, ouviu os gritos de desespero da filha, segundo contou o irmão da jovem ao Correio, à época do caso.
O homem passou a golpear a jovem com uma faca, momento no qual ela, tremendo pela segurança dos filhos — que presenciaram toda a cena — o arrastou para fora da casa. Daniel, no entanto, continuou a esfaqueá-la no rosto e pescoço. O assassino fugiu antes da chegada da polícia e só foi encontrado cinco dias depois. Maria foi socorrida por vizinho, mas não resistiu aos ferimentos e morreu, antes mesmo de chegar ao hospital.
As agressões que levaram à morte da jovem foram presenciadas por crianças. Duas delas, de um e de três anos, filhos dela, e outra de oito anos, irmão da vítima. O júri reconheceu três agravantes que elevaram a pena do réu: a crueldade do crime, a condição da vítima como mãe de duas crianças e o fato de o feminicídio ter ocorrido na presença dos filhos Punições mais severas.
Punições mais severas
A condenação é considerada um marco na aplicação da Lei nº 14.994, sancionada em outubro de 2024. A norma transformou o feminicídio em um crime autônomo, elevando a pena mínima de 12 para 20 anos e a máxima, para 40 anos de prisão. Além disso, o pacote legislativo também ampliou as penas para crimes como lesão corporal, injúria, calúnia e difamação, quando cometidos em contexto de violência contra a mulher.
A presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da OAB-DF, Cristina Tubino, ressaltou que a nova legislação complementa a Lei Maria da Penha, que tem um caráter principalmente preventivo. “A Lei Maria da Penha não é uma lei punitiva, mas sim, voltada à proteção da mulher, estabelecendo medidas preventivas contra a violência doméstica e familiar. A nova legislação, por outro lado, vem reforçar essa proteção ao garantir punições mais severas para os agressores”, pontuou.
Tubino, no entanto, ressaltou que o endurecimento das penas nem sempre resulta na redução dos crimes de feminicídio. “Existem vários estudos que concluem que a aplicação de sanções mais severas não necessariamente diminui o cometimento de crimes.
A pena tem uma dupla finalidade: punir quem comete um crime bárbaro e prevenir novos crimes.
No entanto, apenas penas mais duras podem não ser suficientes para evitar o feminicídio”, analisou.
Para a especialista, é necessário investir em medidas preventivas e educativas que ataquem a raiz do problema. “Muitas vezes, medidas de prevenção demandam mais tempo e mais esforços, mas são essenciais. Precisamos de campanhas de educação para crianças desde a infância, ações para mudar a forma como esses homens enxergam as mulheres e promover a equidade de gênero.
Porque quando uma pena é aplicada, o crime já aconteceu. Essa mulher já morreu e não voltará mais. O ideal é que esses crimes não ocorram”, afirmou.
Dados do Painel de Feminicídios da Secretaria de Segurança Pública do DF mostram que, em 2023, foram registrados 30 casos desse tipo de crime, um aumento de 67% em relação a 2022, quando 18 mulheres morreram devido à condição de gênero. No ano passado, foram 23, a maioria dos crimes ocorreu dentro de casa, com uso de arma branca e motivação relacionada a ciúmes.