Valor Econômico, 21/05/2020, Brasil, p. A3
Confusão atrapalha compra de material médico da China
Assis Moreira
As relações entre o Brasil e a China não preveem no momento anúncios de novos investimentos ou acordos, como em anos recentes, segundo fontes que acompanham de perto os movimentos entre os dois grandes emergentes.
A principal atividade atualmente, do lado brasileiro, é tentar garantir a compra de equipamentos médicos para combater a pandemia de covid-19. E a constatação é de uma “confusão absoluta, pela descoordenação do Brasil”.
O país já registra cerca de mil mortos por dia por causa do vírus, porém o governo de Jair Bolsonaro não conseguiu ainda criar uma força-tarefa para coordenar a compra do material.
A avaliação continua a ser de cada um por si - governo federal, Estados, municípios, empresas -, atuando num mercado chinês que tem uma enorme demanda, mas oferta insuficiente. Mais de cem países estão comprando produtos médicos chineses.
Do lado brasileiro, há quem nunca teve contato com a China tentando fazer negócios que podem dar errado. Há quem compre e não receba a mercadoria. E há os que compram diretamente de empresas, mas enfrentam depois problemas de certificação na China ou no Brasil. Os preços são muito mais altos do que o normal.
O outro canal é via governamental, que é mais garantido. O que o governo em Brasília não sabe com precisão é se os atrasos para receber as mercadorias chineses são normais ou se isso ocorre por causa das recentes tensões provocadas por declarações de representantes do governo Bolsonaro contra a China.
Para o Brasil, comprar máscaras, que passa a ser uma exigência em todo o país, não é mais um problema. A dificuldade é receber o número de ventiladores pulmonares que encomenda, por exemplo.
“Talvez essa pandemia seja um teste importante das relações sino-brasileiras”, escreveu Zhou Zhiwei, diretor-executivo do Centro de Pesquisa do Brasil, ligado à Academia Chinesa de Ciências Sociais, no jornal “Diário do Povo”, em Pequim.
“Essa crise global de saúde pública prova completamente que, no mundo em que todos vivemos, o relacionamento entre os países é o mesmo que o de vizinhos. O núcleo do relacionamento com o vizinho é o respeito mútuo, consideração de interesses e a solidariedade mútua”, escreveu.
Zhiwei menciona “alguns episódios incomuns” nas relações bilaterais, com “observações não tão amigáveis em relação à China”. Mas ilustra uma posição chinesa de não amplificar tensões, e conclui que a tendência geral da cooperação bilateral continua “no caminho frutífero”.
A única grande reunião prevista entre os dois países é a da Cosban, a comissão mista bilateral, para meados de 2021. Mas já há observadores que consideram improvável que ela ocorra, pelo ritmo atual das relações.
Enquanto isso, a China continua comprando muito do Brasil, basicamente commodities. Está se criando uma “boca de jacaré”, ou seja, muita venda para a China e redução na compra brasileira de produtos chineses por causa da recessão. O saldo comercial do Brasil com a China representou 76% do superávit total entre janeiro e abril.