Valor Econômico, 21/05/2020, Brasil, p. A4

Após pressão, Saúde muda protocolo para uso de cloroquina

Matheus Schuch
Fabio Murakawa


Diante da insistência do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde emitiu ontem um documento em que autoriza o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes diagnosticados em estágio inicial de covid-19. A decisão em relação ao uso do medicamento, que não tem eficácia comprovada no combate ao coronavírus, ocorreu no dia em que foram registradas mais 888 mortes e 19.951 pessoas contaminadas. No total, há 18.859 óbitos e 291.579 casos confirmados no Brasil.

O Brasil está perto de passar os EUA como país que mais registra novos casos diários da covid-19. Os Estados Unidos registravam até as 21h de ontem 21 mil novos, segundo o site Worldometers, uma das referências internacionais no assunto. No Brasil, houve aproximadamente 20 mil novos registros.

A medida em relação aos medicamentos foi tomada após os ex-ministros Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta deixarem a pasta, entre outros motivos, por não concordarem com ela. A mudança de orientação, embora publicada pelo Ministério da Saúde, não traz a assinatura de nenhum responsável.

A medida não é vinculante nem altera o fato de que os médicos particulares e do Sistema Único de Saúde (SUS) já poderiam prescrever o medicamento e o paciente usá-lo, se fosse sua vontade. A decisão de utilizar ou não a droga caberá a cada médico, que precisará do consentimento do paciente, após avisá-lo dos efeitos colaterais da droga e da falta de comprovação científica. O uso era permitido nestes termos apenas para casos graves.

“Apesar de serem medicações utilizadas em diversos protocolos e de possuírem atividades in vitro demonstrada contra o coronavírus, ainda não há meta-análises de ensaios clínicos multicênicos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19. Assim, fica a critério do médico a prescrição, sendo necessária também a vontade declarada do paciente”, afirma o texto.

A medida recebeu críticas de entidades como a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, entretanto, o secretário-executivo substituto da Saúde, Élcio Franco, negou que a mudança na orientação tenha sido elaborada por causa da vontade do presidente.

“Este trabalho vem sendo feito já há algum tempo e,em momento algum, algum princípio ético ou científico foi negligenciado ou foi conduzido somente por determinação de alguma autoridade”, disse Franco. “Não é um cumprimento de ordem, mas sim um trabalho sério, técnico, conduzido por especialistas, com reconhecimento na comunidade científica e que integram o corpo do ministério, com colaboração de outros técnicos do Brasil e do mundo.”

A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, também negou que a pasta esteja “se afastando da ciência” ao recomendar o uso de um medicamento cuja eficácia não tem comprovação científica. “Nós estamos nos aproximando da necessidade de garantir a vida em tempos de guerra.”

O Estado de São Paulo segue na liderança da lista de casos confirmados da covid-19. São 69.859 casos da doença e 5.363 mortes. No último balanço, o Ceará ultrapassou o Rio de Janeiro em número de infectados, o estado nordestino possui 30.560 doentes, ante 30.372 no estado do Sudeste. No entanto, o número de mortos no Rio é maior, são 3.237. No Ceará, 1.900.

Em todo país, ainda há 3.483 óbitos em investigação.