O GLOBO, n 32.315, 27/01/2022. Política, p. 4
“ALÉM DE AMORTECEDOR, SOU PARA-RAIO DO POSTO IPIRANGA
Ciro Nogueira / MINISTRO DA CASA CIVIL
Com poder de barrar decisões orçamentárias do Ministério da Economia, expoente do Centrão nega atrito com Paulo Guedes e, ao atacar Lula e Moro, dá o tom da estratégia para tentar reeleger Bolsonaro
Em seu discurso de posse na Casa Civil, o senhor disse que gostaria de ser lembrado como um amortecedor que diminuiria as tensões. Mas, no início deste ano, o presidente voltou a atacar ministros do Supremo Tribunal Federal. O senhor concorda com as críticas de Bolsonaro às decisões da Corte?
Sou daqueles que defendem que decisão judicial se cumpre. Mas acredito que exista um ativismo judicial muito forte no país que passa por tirar algumas prerrogativas do Congresso de legislar. O que temos buscado é bom senso entre os Poderes, que cada Poder respeite suas atribuições, seus direitos e sua competência.Esse é o nosso grande desafio. Acho que já tivemos problemas maiores. Cheguei num momento de muita turbulência entre os Poderes e as instituições. Graças a Deus, conseguimos virar essa página. Nunca se deixou de cumprir uma decisão judicial. É o que importa.
Há tempo de reverter pesquisas eleitorais, uma vez que Bolsonaro está atrás de Lula?
Não tenho dúvida. Temos hoje uma campanha em que o ex-presidente Lula é o Lula do Alckmin (ex-governador de São Paulo), do Macron (presidente da França), do partido Democracia Cristã alemão. O Lula que conheço e que as pessoas vão conhecer na campanha é o Lula da Gleisi (Hoffmann), do Zé Dirceu, do(João) Vaccari. Esse é o Lula que tem muito mais identificação com Maduro (presidente da Venezuela) do que com Macron. As pessoas não querem esse grupo do PT de volta ao comando do país. Acompanho pesquisas qualitativas. Quando se coloca o Lula ao lado dessas pessoas, a rejeição é total. Isso vai fazer com que o PT acabe derrotando o Lula. E o Lula se tornou juiz. A que ponto chegamos: o Lula, que teve o seu processo anulado, ser juiz, dizendo que tem Centrão do bem e Centrão do mal. Lula tem condições de ser juiz em nosso país? Acho um pouco demais.
Em 2017, o senhor chamou Bolsonaro de “fascista” e “preconceituoso”. No ano seguinte, durante as eleições, disse que ficaria “até o fim” com Lula. Hoje, o senhor é ministro do governo Bolsonaro, disse que está fechado com o presidente e atacou Lula em seus artigos. O que lhe fez mudar de opinião?
O governo do presidente Bolsonaro, que foi capaz de fazer as transformações. Tenho milhões de vezes mais identificação com o que foi feito neste governo do que eu tinha com o Partido dos Trabalhadores. Tivemos um presidente que enfrentou a maior pandemia da nossa história sem termos no país saques, violência e dando suporte à população, que foi capaz de dar 13 anos de Bolsa Família em Auxílio Emergencial para população sem quebrar o país. Veja o que aconteceu no governo da Dilma, que foi a maior recessão da nossa história sem pandemia. O que me fez mudar foi conhecer mais o presidente Bolsonaro. Acredito piamente em seu projeto.
O espaço que o seu partido ganhou no governo, com indicações em órgãos relevantes, também foi crucial para apoiar Bolsonaro?
Começamos a apoiar o governo muito antes de Bolsonaro escolher qualquer técnico para os nossos cargos. Só pegar as votações não só do Progressistas como também de outros partidos. É lógico que houve uma aproximação, e o presidente passou a escolher técnicos do meu partido. Nos governos Fernando Henrique, Dilma, Lula e até do Michel Temer, se entregavam os ministérios de porteiras fechadas. Hoje não acontece isso. Mudamos a forma de fazer política. Hoje os partidos estão no governo porque têm identificação com o projeto do presidente Bolsonaro.
Se o ex-presidente Lula ganhar as eleições, o senhor se sentará para conversar com ele ou se manterá na oposição?
Ele não vai ganhar. Não me vejo mais ao lado do Partido dos Trabalhadores. As pessoas pensam no Lula de 2002. Se você for comprar um celular para a sua filha, você vai comprar um celular de 2002 ou de 2022? Aquilo já passou. Hoje, temos outra realidade. O Brasil não vai retroceder.
Bolsonaro mudou o discurso de campanha e firmou uma aliança com o Centrão. Isso tem gerado conflitos com a base bolsonarista. Qual o impacto disso na eleição?
Temos um terço do eleitorado para Bolsonaro, um terço para Lula. Quem vai decidir é o centro. Por isso, há esse desespero do Lula de deixar esse pessoal escondido e ir para o lado do Alckmin. O presidente Bolsonaro já tem aproximação muito mais consistente, tanto que os partidos mais relevantes de centro estão com ele. Lula estava querendo revogar reforma trabalhista e regular a mídia. Então, são coisas que o afastam das pessoas de centro. O que reelege o presidente é a economia, se as pessoas estão melhorando de vida.
Mas o senhor considera que as pessoas melhoraram de vida de 2019 para cá?
Tivemos um problema no nosso país, um problema mundial. Estaríamos perto da China se não tivéssemos tido a pandemia. Voltamos com a maioria dos índices anteriores à pandemia e temos um grande potencial de crescimento.
Uma de suas atribuições na campanha de Bolsonaro é ajudar na montagem dos palanques estaduais. Alguns membros do seu partido, porém, têm resistência a apoiá-lo e preferem estar com Lula. Como contornar esse obstáculo?
Essas posições têm que ser respeitadas. Mas acredito que o crescimento dos partidos de centro, principalmente aliados ao governo, foi muito forte e isso vai melhorar muito o desempenho do presidente, que terá um exército de vereadores, de lideranças e de palanques que ele nunca teve.
O União Brasil, partido do qual vocês buscam apoio, também conversa com Sergio Moro. Como o senhor vê a candidatura do ex-ministro da Justiça?
O Moro é um conflito ambulante. O Moro, quando era juiz, queria ser político. Virou político e quer permanecer juiz. É uma pessoa com conflitos. Tenho minhas dúvidas se ele vai permanecer até o final.
A Casa Civil passou a ter um poder inédito de barrar decisões orçamentárias do Ministério da Economia. Por que houve essa mudança?
Essa situação foi criada em comum acordo com o ministro Paulo Guedes. Achamos que era muito melhor tanto para ele quanto para a Casa Civil. Levamos esse pleito ao presidente. O Paulo Guedes sempre ficava encarregado de dar o “não” para alguns pleitos dos ministérios. Além de amortecedor, agora eu sou um para raio do Posto Ipiranga. Divido com Guedes a responsabilidade de dizer o “não” e o “sim”.
As emendas de relator permaneceram intactas no Orçamento, sem cortes. O senhor é favorável à divulgação dos autores das destinações desses recursos?
Não existe essa história de orçamento secreto. Tudo é transparente. Tudo está sendo executado com total acompanhamento da mídia e da população. Eu sempre fui favorável a essa transparência.
Mas a população não sabe, por exemplo, quais emendas o senhor indicou...
Ah, sabe. Você acha que uma emenda lá para minha Pedro II, a cidade onde nasci, foi quem? Foi o Ciro Nogueira que indicou. É impossível chegar um recurso no município, e a população não saber quem levou.
Neste ano eleitoral, teremos uma agenda mais curta no Congresso. Quais são as pautas prioritárias do governo Bolsonaro?
Recebemos dos ministérios sugestões de 400 projetos. No início da semana, tive uma conversa com o presidente. Ele me pediu para dar foco na questão da redução da maioridade.