Correio Braziliense, n. 22628, 03/03/2025. Brasil, p. 6
Telegram: moderação ineficiente e impunidade
A ausência de um controle rigoroso sobre o ambiente digital, combinada com falhas na legislação, permite que criminosos se aproveitem da vulnerabilidade de crianças e adolescentes. A SaferNet, organização que monitora crimes virtuais, aponta que o Telegram se tornou um dos principais meios para a disseminação de material de abuso infantil, operando por meio de grupos fechados, criptografia e perfis anônimos.
Segundo a SaferNet, as denúncias contra grupos e canais contendo imagens de exploração sexual infantil aumentaram 78% entre o primeiro e o segundo semestre de 2024. O relatório da Organização Não Governamental (ONG) revela que, enquanto o número total de grupos denunciados subiu 19%, a quantidade de canais que permaneceram ativos sem qualquer moderação cresceu 76%, alcançando 349 grupos operando livremente na plataforma.
Mesmo após sucessivos alertas de autoridades e ONGs, a moderação do Telegram continua sendo considerada ineficiente. O relatório da SaferNet aponta que, em 2024, o aplicativo foi responsável por 90,35% das denúncias envolvendo apps de mensagens relacionadas à exploração sexual infantil. Desde 2021, aparece entre os 10 domínios mais denunciados por armazenar e disseminar esse tipo de conteúdo ilegal. Apesar de anunciar a remoção de 360 mil grupos e canais suspeitos, a empresa não detalha os critérios usados para essa moderação, nem se há um sistema preventivo eficiente para impedir a reincidência.
A aparente falta de compromisso do Telegram em combater esse tipo de crime é reforçada por sua ausência na Tech Coalition, uma organização que reúne gigantes da tecnologia, como Google, Meta, Apple e Microsoft, para implementar protocolos rígidos de transparência e combate à exploração infantil. A empresa também não possui registro no Banco Central e utiliza 23 provedores de serviços financeiros, muitos deles em paraísos fiscais, para processar pagamentos, dificultando a rastreabilidade financeira.
Especialistas alertam que a inação do Telegram e sua estrutura descentralizada tornam a plataforma um terreno fértil para redes criminosas, que continuam a operar com impunidade, explorando lacunas regulatórias e a falta de fiscalização eficaz.
Itamar Gonçalves, superintendente de Advocacy da Childhood Brasil, reforça a necessidade de uma atuação mais rigorosa das plataformas digitais no combate ao abuso infantil na internet e critica a falha na fiscalização do Telegram. Para ele, as empresas de tecnologia devem ser responsabilizadas e precisam atuar de forma mais ativa na remoção desse tipo de conteúdo e na cooperação com as investigações policiais. "Não podemos permitir que esses espaços fiquem sem fiscalização. As plataformas precisam atuar ativamente na remoção desse conteúdo e colaborar com as investigações."
O especialista ressalta que endurecer penas não é suficiente para combater o abuso infantil. É essencial que o Brasil tenha um sistema de apoio eficiente para proteger as vítimas, prevenir novos casos e punir os agressores de forma eficaz. "É preciso agir preventivamente e garantir um sistema de apoio eficiente para proteger as vítimas e responsabilizar os agressores."
Projeto de Lei
O Projeto de Lei 4299/20, apresentado pela ex-deputada Rejane Dias (PT-PI), propõe a inclusão da pedofilia como crime específico no Código Penal, por meio da alteração do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. A proposta prevê a criminalização de atos como constranger, corromper, exibir o corpo de crianças ou adolescentes apenas com roupas íntimas ou tocar partes do corpo com intuito de satisfazer a lascívia, independentemente da ocorrência de conjunção carnal.
Caso o crime seja cometido em ambiente doméstico, com relação de coabitação, dependência econômica ou hierarquia no emprego, a pena poderá ser aumentada em até um terço. Além disso, se o agressor for parente da vítima ou tiver mantido relação de afeto com ela para se vingar de outro membro da família, a pena pode ser ampliada em até dois terços, tornando a punição mais severa para casos de abuso cometidos por pessoas próximas da criança ou adolescente.
Atualmente, o Código Penal prevê punições para crimes sexuais contra vulneráveis, incluindo estupro de vulnerável, indução de menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem, satisfação da lascívia na presença de criança ou adolescente, favorecimento da prostituição infantil e divulgação de cenas de estupro de vulneráveis.