O GLOBO, n 32.315, 27/01/2022. Mundo, p. 18

RESPOSTA SEM CONCESSÕES



EUA não atendem a demandas russas sobre Ucrânia, mas insistem em via diplomática

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, confirmou a entrega das respostas por escrito dos EUA a uma lista de demandas apresentada por Moscou, que está no centro da crise de segurança envolvendo a Ucrânia. Sem revelar detalhes sobre as respostas, para "não atrapalhar as negociações", Blinken afirmou que todas foram dadas "em coordenação com a Ucrânia e aliados", e que, agora, cabe à Rússia decidir como agir.

Em entrevista coletiva, Blinken declarou que o texto "reitera o que vem sendo dito publicamente" sobre o impasse, tentando dissipar dúvidas sobre possíveis concessões a Moscou, e que o governo americano permanece "aberto ao diálogo" e "prefere a diplomacia".

— Tudo o que foi dito estabelece um caminho diplomático, caso a Rússia escolha essa opção — disse Blinken, apontando que as respostas foram elaboradas de forma "pragmática".

Ainda não houve comentário de Moscou à carta dos EUA, que contou com a participação do presidente Joe Biden, e à carta da Otan, que também entregou suas posições nesta quarta-feira, igualmente de forma sigilosa. O secretário disse esperar que Moscou não revele o Blinken sugeriu ainda um novo encontro com o chanceler russo, Sergei Lavrov, já nos próximos dias, para dar sequência às conversas. Segundo ele, "a bola está no campo russo", e a Otan está pronta para agir "seja qual for" a resposta.

— Deixamos claro que existem princípios básicos que estamos determinados a manter e defender, incluindo a soberania e integridade territorial da Ucrânia, e o direito dos Estados de escolher seus próprios acordos e alianças de segurança — afirmou.

OTAN PRONTA PARA O PIOR

Pouco depois da fala de Blinken, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, declarou que, embora torça por um desfecho positivo, a aliança está pronta para o pior cenário. Ele afirmou também que 5 mil militares da aliança já estão prontidão, mas ainda sem papel delimitado —a aliança já deixou claro que não planeja enviar tropas à Ucrânia no caso de uma invasão.

Em um tom mais bélico do que o de Blinken, disse que tem planos que podem ser acionados "rapidamente" caso necessário, mas deixou a porta aberta para a diplomacia.

— Exigimos que a Rússia, mais uma vez, aja para desescalar a situação. A Otan acredita firmemente que as tensões e desavenças podem ser resolvidas por meio do diálogo e da diplomacia — disse a repórteres.

No final de dezembro, quando a presença de mais de 100 mil militares russos em áreas de fronteira acendeu os sinais de alerta na Ucrânia e na Otan, o presidente Vladimir Putin liberou uma lista de demandas como forma de iniciar o diálogo para reduzir a escalada no Leste Europeu.

O item central da lista, composta por oito pontos, exige que a Otan “se comprometa a não realizar qualquer expansão, incluindo a adesão da Ucrânia e de outros Estados”. Além da Ucrânia, que apresentou sua candidatura em 2008, a Geórgia, outra ex-república soviética, e a Bósnia-Herzegovina, que integrava a ex-Iugoslávia, são países considerados aspirantes a integrar a aliança um dia. Ainda sobre a Ucrânia, a Rússia exige que a Otan não realize mais atividades militares no território do país.

 

Durante a entrevista coletiva, Blinken afirmou que não haverá mudanças na política de "portas abertas", que prega que qualquer país pode se tornar um membro desde que cumpra com certos requisitos. Mesmo antes da crise, analistas apontavam que problemas dentro do Estado ucraniano, como a corrupção e a instabilidade institucional, atrasariam uma eventual adesão "em uma ou duas décadas".

DESEJO DE MOSCOU

Contudo, outros pontos falam mais claramente sobre os objetivos estratégicos de Moscou. A Rússia defende que as relações com a aliança não sejam entre “adversários”, um termo usado por Biden para se referir à Rússia, e apresenta o Conselho Otan-Rússia, estabelecido em 2002, como o ambiente ideal para esse diálogo. Na prática, Moscou deseja ser tratada como uma potência, com suas próprias visões de segurança e áreas de influência.

Por fim, a mais controversa das demandas: a Rússia quer que a Otan “recue” sua presença militar para os limites anteriores à expansão rumo ao Leste Europeu, iniciada no final dos anos 1990.

Blinken afirmou que as respostas foram concebidas de forma coordenada com os aliados e parceiros da Otan, sugerindo que a aliança age de forma conjunta na crise — recentemente, diferenças internas sobre como amenizar as tensões ficaram bem evidentes.

O principal caso é o da Alemanha, nação que tem grandes interesses comerciais e energéticos com a Rússia, incluindo um novo gasoduto que deve ampliar o fornecimento de gás natural russo ao país. Berlim tem hesitado quanto à aplicação de sanções, temendo um corte no gás, e é reticente quanto ao fornecimento de armas a Kiev. O chanceler, Olaf Scholz, afirma que segue uma postura de não enviar armamentos a áreas de conflito, o que rendeu críticas de governos como o da Polônia.