O GLOBO, n 32.316, 28/01/2022. Política, p. 4

ENCONTRO MARCADO

Mariana Muniz e Aguirre Talento


Moraes, do STF, determina que Bolsonaro Vá pessoalmente à PF prestar depoimento

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou que o presidente Jair Bolsonaro preste depoimento hoje à Polícia Federal. Ele deverá dar explicações por ter vazado informações de uma investigação sigilosa da PF durante uma de suas transmissões ao vivo pela internet. O magistrado foi duro em seu despacho e deixou claro que não cabe a um investigado, como é o presidente no caso, decidir sobre atos “processuais durante a investigação criminal”.

A medida, tomada ontem por Moraes, ocorre num momento em que Bolsonaro voltou a fazer críticas públicas aos ministros do Supremo. Depois de uma trégua de aproximadamente quatro meses, no início deste mês o mandatário acusou Moraes, assim como Luís Roberto Barroso, que é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de serem partidários.

DECISÃO DESCUMPRIDA

A decisão do ministro foi uma resposta a um pedido feito pela Advocacia-Geral da União para que Bolsonaro não precisasse ser ouvido. A AGU já havia pleiteado, no fim do ano passado, a prorrogação do prazo para o depoimento. Por determinação do STF, o órgão, que representa o presidente nas batalhas judiciais, deveria informar até hoje o dia, horário e local para a realização do interrogatório. Em vez disso, foi solicitada a dispensa do depoimento, o que gerou uma forte reação do ministro.

Além de negar o pedido de dispensa, Moraes determinou que Bolsonaro compareça pessoalmente à Superintendência da PF em Brasília às 14h. O ministro argumentou que os direitos garantidos a investigados não podem ser confundidos com desrespeito às suas obrigações na ação.

“A imprescindibilidade do absoluto respeito ao direito ao silêncio e ao privilégio da não autoincriminação constitui obstáculo intransponível à obrigatoriedade de participação dos investigados nos legítimos atos de persecução penal”, escreveu Moraes.

Mesmo com a determinação do STF, há a possibilidade de que o presidente não compareça. Juristas ouvidos pelo GLOBO explicam que, por ser investigado, e não testemunha, Bolsonaro não é obrigado a depor — prestar depoimento como investigado é um ato de defesa e, portanto, a pessoa se defende se quiser.

—Mas como existe uma ordem judicial para que Bolsonaro vá, caso ele não compareça estará, sim, descumprindo uma ordem judicial — pondera Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio. Uma hipótese que, caso seja concretizada, poderia levar, em tese, ao cometimento de crime de responsabilidade por parte do presidente.

Na sua decisão, Moraes afirmou que qualquer investigado, se preciso, pode ser submetido “à busca”, “dar suas impressões digitais quando autorizado em lei e ser intimado para interrogatório”. Segundo o ministro, embora a lei preveja que caberá ao alvo de um inquérito escolher o “direito de falar no momento adequado” ou o “direito ao silêncio parcial ou total”, “não é o investigado que decidirá prévia e genericamente” sobre os atos processuais.

A INVESTIGAÇÃO

Esse inquérito foi aberto para apurar a suspeita de vazamento de documentos sigilosos de uma investigação da PF a respeito de um ataque hacker ao TSE.

Bolsonaro divulgou informações relacionadas ao inquérito em sua rede social e durante uma de suas lives, esta ocorrida em julho, mesma ocasião em que ele propagou informações falsas a respeito da confiabilidade das urnas eletrônicas. Naquela ocasião, no intuito de dar credibilidade ao que dizia, o presidente mostrou documentos de uma investigação da PF sobre ataques ao TSE. Tal apuração, contudo, não guardava qualquer relação com as urnas eletrônicas. O deputado bolsonarista Filipe Barros (PSL-PR), que participou da transmissão, também é investigado.

A divulgação de documentos sigilosos constitui crime, por isso o STF abriu inquérito para apurar a conduta de Bolsonaro. O depoimento do presidente é uma das últimas diligências pendentes para a PF concluir a investigação.

Na sua petição, a AGU também pediu o arquivamento do inquérito e citou trechos do depoimento do delegado Victor Campos, que era responsável pela investigação sobre o ataque hacker ao TSE. Em sua oitiva, o policial afirmou que essa investigação não estava sob segredo de Justiça e que, por isso, forneceu cópia dela ao deputado Filipe Barros após solicitação do parlamentar.

Em novembro, Bolsonaro prestou depoimento em um outro inquérito, sobre suspeita de interferência indevida na atuação da PF. Neste caso, ele foi ouvido no próprio Palácio do Planalto pela equipe da corporação. Inicialmente, o presidente também tentou ser dispensado da oitiva, mas mudou de posicionamento e concordou em falar.

Em dezembro, a Polícia Federal chegou a intimar Bolsonaro a prestar depoimento no inquérito do vazamento. Por ser presidente da República, ele tem a prerrogativa de escolher data, horário e local para tal. Por isso, desta vez, o agendamento dependia de uma resposta do Palácio do Planalto à polícia.

OUTROS ATRITOS ENTRE O PRESIDENTE E O MINISTRO DO SUPREMO

Pedido de impeachment

Em agosto, Bolsonaro apresentou ao Senado um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, depois que a PF deflagrou operação, autorizada pelo magistrado, contra bolsonaristas que organizavam atos antidemocráticos. O pedido foi rejeitado pelo pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

Ataques e xingamentos

Durante os atos antidemocráticos de 7 de setembro, Bolsonaro discursou para apoiadores e chamou Moraes de “canalha”, afirmou que não cumpriria futuras decisões do ministro e disse que ele deveria “pegar o chapéu” e deixar a Corte. Voltou a atacá-lo em dezembro, sob a acusação de “abuso” pela prisão de bolsonaristas.

Tentativa de pacificação

Após o 7 de Setembro, Bolsonaro chamou o ex-presidente Michel Temer para obter conselhos sobre apaziguar a crise com o Judiciário. Com isso, divulgou um texto dizendo que não teve intenção de atacar os demais Poderes. Na ocasião, Temer até intermediou um contato telefônico com Moraes, para tentar pacificar a relação.

Retomada do acirramento

O presidente retomou os ataques ao ministro no último dia 12, criticando Moraes e Luís Roberto Barroso por medidas tomadas contra notícias falsas nas eleições. “Quem é que esses dois pensam que são? Quem eles pensam que são? Vão tomar medidas drásticas dessa forma, ameaçando, cassando liberdades democráticas nossas”.