O Estado de S. Paulo, n. 47996, 15/03/2025. Economia & Negócios, p. B4
Lula vai pressionar Japão por acordo com Mercosul
Felipe Frazão
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca em Tóquio na última semana do mês com uma mensagem clara ao governo japonês: é preciso iniciar logo as negociações formais por um acordo comercial Japão-Mercosul. O presidente terá uma reunião de trabalho para tratar do assunto com o premiê Shigeru Ishiba.
“A gente quer saber o seguinte: vamos ficar nessa conversa ou vai ter uma negociação? Essa é a grande questão”, resumiu ontem o embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores.
Segundo Saboia, o presidente vai demonstrar essa disposição de dar o próximo passo e lançar as negociações. A sinalização agora depende mais do Japão. Conforme fontes diplomáticas brasileiras, o país asiático manifesta receios por causa do agronegócio interno. O Itamaraty entende que os outros sócios do Mercosul – Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai – são “bastante favoráveis”, relatou o embaixador.
Em 2023, o comércio bilateral entre Japão e países do Mercosul foi de US$ 14 bilhões, com superávit para o bloco sul-americano de US$ 785 milhões.
Os principais produtos exportados pelo bloco foram minério de ferro (19%), milho (14%), miúdos de frango (13%), resíduos sólidos de soja (8%) e café em grão (7%). As importações são principalmente caixas de câmbio de veículos (21%), automóveis (2%), produtos imunológicos (2%), produtos siderúrgicos (2%) e trilhos de aço (2%).
Há alguns anos, representantes do Mercosul e do Japão mantêm conversas periódicas, um diálogo diplomático, de caráter exploratório sobre um acordo. A quinta reunião ocorreu no ano passado, em Assunção, Paraguai. O encontro tratou de acesso dos produtos do agronegócio ao mercado japonês, regras sanitárias e fitossanitárias, comércio, investimentos, cadeias de suprimentos e transição energética.
A interpretação no governo brasileiro é de que esse formato se esgotou e que falta uma decisão política para passar agora à fase seguinte: o lançamento oficial das tratativas, com nomeação de negociadores. Elas podem demorar anos.
A viagem de Lula ao Japão – e, em seguida, ao Vietnã – faz parte de uma estratégia de diplomacia presidencial voltada à inserção na Ásia, onde o governo busca ampliar a relação econômica com parceiros alternativos aos dois maiores: China e Estados Unidos. O objetivo é escapar dos conflitos geopolíticos e de efeitos negativos da guerra comercial entre ambos e da batalha tarifária iniciada pelo presidente americano Donald Trump.
Na Ásia, o primeiro acordo foi fechado em 2023, com Cingapura. Há contatos exploratórios com Vietnã e Indonésia – país também na rota de Lula, assim como o bloco do Sudeste Asiático Asean.
MERCOSUL-UE. As negociações com Cingapura foram concluídas em cinco anos, mas as com a União Europeia levaram 25 anos.
A avaliação no governo brasileiro é de que a conclusão de negociações com os europeus coloca pressão sobre o Japão – um exemplo é que as montadoras de automóveis japonesas tendem a ficar em desvantagem em relação às europeias.
O governo Lula espera que a assinatura do acordo Mercosul-UE ocorra em dezembro. No segundo semestre, o Brasil assumirá a presidência rotativa do Mercosul, após o fim do período da Argentina.
O governo brasileiro vê o período de Javier Milei como presidente do bloco do Cone Sul como uma fase de “controle de danos”. Ele indicou várias vezes que poderia abandonar o Mercosul e falou em fomentar um acordo com os EUA de Trump.
Atualmente, a presidência da UE está nas mãos da Polônia, país abertamente contrário ao acordo. Em seguida, será a Dinamarca, um reino favorável. O Brasil também vai sediar neste ano uma cúpula com líderes da UE.
Até lá, segundo técnicos do governo, existe a perspectiva de que o acordo possa ser assinado, desde que tenha sido previamente votado e aprovado no Conselho Europeu e no Parlamento Europeu.