O Estado de S. Paulo, n. 47994, 13/03/2025. Economia & Negócios, p. B4
Com os preços pressionando o BC, Lula lança novo modelo de consignado
Alvaro Gribel
Amanda Pupo
Cícero Cotrim
Sofia Aguiar
Governo nega que programa de crédito para trabalhadores do setor privado vá atrapalhar trabalho imediato do Banco Central para controlar a inflação por meio da alta dos juros.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou ontem medida provisória que reformula o crédito consignado para trabalhadores do setor privado, como antecipou o Estadão/Broadcast na semana passada. A expectativa era de que o anúncio fosse feito antes do carnaval, mas problemas técnicos adiaram a MP para esta semana.
O consignado privado é um tipo de empréstimo em que o pagamento das parcelas é feito diretamente no contracheque, com desconto em folha. Assim, todos os trabalhadores com uma fonte de pagamento formal estarão aptos ao novo consignado.
A liberação do novo modelo começa no próximo dia 21 e os pedidos serão feitos por meio da Carteira de Trabalho Digital. Quem já tem o consignado ativo pode fazer a migração para a nova linha a partir de 25 de abril. A portabilidade entre os bancos poderá ser realizada a partir de 6 de junho.
A medida mira públicos como o dos empregados domésticos e dos trabalhadores rurais com carteira assinada, além de MEIs. A estimativa do governo é de que mais de 80 instituições financeiras estejam habilitadas para oferecer o serviço.
O anúncio do programa, batizado de Crédito do Trabalhador, acontece num momento de alta da inflação – também ontem o IBGE divulgou que o IPCA de fevereiro bateu em 1,31%, maior variação para o mês desde 2003 – e, por tabela, de expectativa de que o Banco Central mantenha a atual trajetória de alta dos juros. Diante desse contexto, no mercado o governo tem sido criticado por lançar mão de novas políticas de crédito – com impacto sobre a atividade econômica e os preços – enquanto o BC tenta controlar a inflação.
Durante o evento que marcou a assinatura do texto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que mudanças na política econômica “levam tempo” para acontecer: “Economia não se faz com mágica, não inventa”. Ele afirmou ainda que seu atual mandato é diferente dos anteriores por ele ser, hoje, “mais experiente”. “Não pensem que tenho direito de fazer absurdo com o Brasil.” Lula, que enfrenta o menor patamar de popularidade dos seus três mandatos, repetiu que seu governo não vai dar “cavalo de pau” e classificou suas políticas como “serenas”.
‘SEM PREOCUPAÇÃO’. O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, rechaçou a ideia de que o novo crédito consignado privado possa estimular a economia no momento em que o BC tenta controlar a inflação por meio de uma elevação da taxa Selic. Ele afirmou que o
programa vai demorar algum tempo para alcançar um grande número de pessoas, porque o sistema bancário precisa se adaptar.
“Eu já antecipo perguntas de vocês: ‘Mas vocês estão estimulando ainda mais a economia no momento em que o BC está
perseguindo uma política monetária restritiva’. Já digo para vocês: isso vai ser paulatino. O produto não vai atingir uma massa gigante do dia para a noite, ele tem um tempo de maturação. Então, a gente não precisa ficar preocupado com isso”, disse o secretário.
Pinto defendeu ainda que não se pode atrasar o andamento de reformas estruturais por causa do que chamou de “questões conjunturais”. Já Lula voltou a defender a circulação do dinheiro e a distribuição de renda. Ele ponderou que as pessoas devem evitar usar o crédito para “gastar o que não têm”. Ele garantiu que a política do governo não busca aumentar o endividamento da população. E completou: “Empréstimo não é feito para pagar outro empréstimo”.
Para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é preciso ter “cautela” sobre a nova ferramenta porque o programa, “muito sofisticado”, passará por um processo de desenvolvimento ao longo das próximas semanas e meses. “Os bancos vão saber avaliar a estabilidade do emprego, a estabilidade do setor e a estabilidade da empresa. Então, inicia-se, a partir de agora, uma curva de aprendizagem. Eles vão aprender a lidar com uma coisa nova. Mas quando nós domesticarmos esse bicho novo que está nascendo, eu tenho certeza que nós vamos olhar para trás em muito pouco tempo e falar ‘que dia especial o dia do crédito do trabalhador’”, disse.
BANCOS. A pedido dos bancos, não haverá um teto para os juros na nova linha, como existe no consignado para servidores públicos e pensionistas do INSS. Por isso, não será ampliado o uso do FGTS como garantia, que permanecerá em 10%, em caso de demissão sem justa causa, como já acontece atualmente.
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, disse que o governo não quer, mas pode recorrer a um teto de juros do novo consignado privado. Ele contou que, nas negociações para o programa, os bancos relataram que a instituição do teto poderia limitar a oferta desse crédito.
“O governo tem a caneta na mão, e o comitê gestor, se observar que o sistema financeiro está abusando, poderá estabelecer teto futuro. O desejo é que ele não tenha necessidade de recorrer a isso”, disse.
Hoje, o consignado privado tem estoque de crédito concedido de R$ 40 bilhões, com juros médios de 2,9% ao mês. O governo e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) entendem que é possível triplicar esse volume, para R$ 120 bilhões, e trazer os juros para algo mais próximo – mas, ainda assim, maior – ao consignado do setor público e do INSS, teto de 1,8% ao mês. •
A pedido dos bancos, não haverá um teto para as taxas na nova linha de crédit