O GLOBO, n 32.314, 26/01/2022. Política, p. 7

''Guru do bolsonarismo'', influenciou formação do governo e criou marca com estilo agressivo

Jan Niklas e Guilherme Caetano


OBITUÁRIO
Olavo de Carvalho/ ESCRITOR, 74 ANOS

Sobre a mesa em que Jair Bolsonaro gravou seu primeiro discurso após a vitória na eleição de 2018, estava um livro que poderia servir de preâmbulo para o governo que se iniciaria: “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, de Olavo de Carvalho. Há na coletânea de textos um panorama do estilo do escritor, que passeia por temas usados pelo presidente para mobilizara militância, como petismo, feminismo, criminalidade e aborto — além do “gayzismo”, termo pejorativo cunhado para tratar da luta pelos direitos LGBTQIAP+.

Considerado o ideólogo da nova direita brasileira, Olavo formou uma geração de conservadores com seu seminário de filosofia online, inaugurado em 2009. Dono de um vocabulário escatológico e presença assídua nas redes sociais, ele também parece ter antecipado a forma como Bolsonaro iria se comunicar no poder. O escritor fazia reiterados ataques à imprensa, ao Congresso, ao Poder Judiciário e às universidades, chamadas por ele de “pontos de distribuição de drogas”. Ele defendia a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e classificava jornalistas como “os maiores inimigos do povo”. Durante a pandemia, adotou postura negacionista e pôs em dúvida as mortes provocadas pelo vírus.

Nascido em Campinas, no interior de São Paulo, em 1947, Olavo iniciou a carreira profissional nos anos 1960, quando atuou como jornalista em publicações da capital. Foi na década seguinte, no entanto, que enveredou pelo caminho que renderia mais notoriedade: os cursos e conferências. Os filósofos Kant, Heidegger e Aristóteles são alguns dos autores sobre os quais ele discorria, e o espaço conquistado também foi usado para defender teorias da conspiração como a do “marxismo cultural”, baseada numa interpretação do pensamento de Antonio Gramsci e dos autores da Escola de Frankfurt. Segundo essa visão, existe uma elite composta pela esquerda mundial, mídia, artistas, cientistas, organizações não governamentais e grandes empresários — o grupo, segundo ele, atua para impor o comunismo no planeta. Olavo também é autor de seis livros sobre astrologia e esoterismo e integrou uma ordem mística muçulmana.

Com a expansão da internet, o escritor ampliou o público e tornou-se popular entre jovens universitários. O uso intensivo de diferentes plataformas — conteúdos eram distribuídos em texto, áudio e vídeo — deu a tônica desta nova fase da carreira de Olavo, desenvolvida a partir dos Estados Unidos, para onde se mudou, em 2005.

O sucesso chamou a atenção do mercado editorial, que transformou o ideólogo em um autor de alta vendagem. Entre 2013 e 2019, seus livros “O imbecil coletivo” (2013) e “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota” (2018), ambos editados pela Record, venderam 400 mil exemplares. No ano passado, a editora decidiu não renovar seu contrato pelo “posicionamento antidemocrático” do influenciador bolsonarista.

Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro, filhos do presidente, são admiradores declarados da produção do escritor. Alunos e discípulos de Olavo também passaram por postos de primeiro escalão do Executivo e integraram a chamada “ala olavista” do governo. Entre eles estão os ex-ministros da Educação Ricardo Vélez Rodriguez e Abraham Weintraub; o ex-chanceler Ernesto Araújo; e o ex-secretário de Cultura Roberto Alvim. Atualmente, nomes como o assessor especial para Assuntos Internacionais Filipe Martins e o secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciúncula, são alguns dos principais defensores dele dentro do governo.

A saída de Olavo de cena ocorre em meio ao declínio da presença do grupo ideológico, cujos expoentes que já deixaram a gestão vêm entrando em atritos constantes com os representantes do Centrão que agora são protagonistas da administração federal.

— Olavo foi um gigante na luta pela liberdade e um farol para milhões de brasileiros. Seu exemplo e seus ensinamentos nos marcarão para sempre — disse Bolsonaro, que decretou luto oficial.

Olavo também foi colunista em veículos como O GLOBO, Época, Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil e Zero Hora.

Aos 74 anos, Olavo morreu na madrugada de ontem, em Richmond, no estado da Virgínia, onde estava internado. Ele foi diagnosticado com Covid-19 em 16 de janeiro, e a doença foi citada por uma das filhas, Heloísa, com quem era rompido, como causa da morte. Em entrevista à colunista Bela Megale, do GLOBO, o médico do escritor, Ahmed Youssif El Tassa, negou que a morte tenha relação com o coronavírus. O clínico geral afirmou que ele morreu em decorrência de “insuficiência respiratória aguda” causada por um quadro de enfisema pulmonar associado à insuficiência cardíaca congestiva, à pneumonia bacteriana e a uma infecção generalizada. Olavo deixa a mulher, Roxane, oito filhos e 18 netos.

“Olavo foi um gigante na luta pela liberdade e um farol para milhões de brasileiros. Seu exemplo e seus ensinamentos nos marcarão para sempre” 

Jair Bolsonaro, presidente da República