O GLOBO, n 32.316, 28/01/2022. Mundo, p. 18
‘Deixem guerra fria’
China rompe silêncio e pede que EUA ‘levem a sério’ demandas russas na crise com a Ucrânia
PEQUIM E WASHINGTON — Em meio a tensões e ao temor de uma guerra na Europa Oriental, a China se posicionou pela primeira vez na crise entre Rússia e Ucrânia com uma mensagem favorável às demandas de Moscou. O governo chinês instou os Estados Unidos a “levarem a sério" as preocupações de segurança do Kremlin e disse que os dois lados devem abandonar a “mentalidade da Guerra Fria”.
A mensagem foi transmitida em um telefonema entre os chefes das diplomacias da China, Wang Yi, e dos Estados Unidos, Antony Blinken. A ligação, a poucos dias da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, abordou principalmente a crise na Ucrânia, onde a presença de milhares de militares russos na fronteira provoca o temor de uma invasão.
“As razoáveis preocupações de segurança da Rússia devem ser levadas a sério e resolvidas", declarou Wang a Blinken, de acordo com o comunicado divulgado pela Chancelaria chinesa após a ligação. "A segurança regional não pode ser garantida pelo fortalecimento ou, inclusive, a expansão dos blocos militares", completou, em referência à expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan ) para o Leste Europeu, principal motivo das queixas da Rússia.
O gigante asiático, que compartilha mais de 4 mil quilômetros de fronteira com a Rússia, até agora se abstivera publicamente de tomar partido na disputa entre Moscou e as potências ocidentais. Apesar da aproximação crescente entre russos e chineses, a China é a maior parceira comercial da Ucrânia. Segundo o comunicado, Wang também disse que "todas as partes deveriam abandonar completamente a mentalidade da Guerra Fria e formar um mecanismo de segurança europeu equilibrado, efetivo e sustentável por meio de negociações".
OLIMPÍADA E TAIWAN
Além disso, o chanceler chinês também exigiu de Blinken que Washington "pare de interferir" nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim e "pare de brincar com o fogo" na questão de Taiwan — vista como uma província rebelde pela China e cuja autonomia é apoiada pelos EUA, embora Pequim tenha como meta sua reunificação ao território chinês. Os EUA e alguns países aliados, como Reino Unido e Canadá, decretaram um "boicote diplomático" à Olimpíada, citando violações de direitos humanos na província chinesa de Xinjiang, de maioria muçulmana, e em Hong Kong.
O Kremlin nega ter intenções hostis e justifica a mobilização de seu Exército pela preocupação com sua segurança ante a expansão da Otan para antigas zonas de influência soviética. Moscou considera a Ucrânia uma proteção estratégica frente a possíveis ameaças do Ocidente.
Além disso, há paralelos entre a relação da Rússia com a Ucrânia e a da China com Taiwan. Pequim não descarta uma ação militar para reaver o controle da ilha , para onde os nacionalistas fugiram em 1949 e que hoje tem um governo autônomo, assim como Moscou lamenta que a Ucrânia tenha se aproximado do Ocidente. Os EUA, por seu lado, querem evitar que a China controle o estreito vital para a navegação que a separa de Taiwan, o que ameaçaria a supremacia militar americana no Pacífico.
RISCOS ECONÔMICOS
Em novembro do ano passado, os presidentes da China, Xi Jinping, e dos EUA, Joe Biden, tiveram uma reunião por videoconferência, na qual realçaram divergências, mas prometeram evitar conflitos. Segundo o comunicado, Wang reclamou de os EUA "não mudarem suas políticas" após a reunião.
“Biden nos garantiu que os EUA não buscam uma nova guerra fria, que não buscam mudar a China, que não procuram formar alianças para se opor à China e não apoiam a 'independência' de Taiwan. Uma mensagem diferente e positiva em relação ao governo anterior. Mas o que o mundo vê agora é que o tom não condiz com os fatos", disse, segundo o informe.
Segundo o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, no telefonema com Wang Blinken advertiu para os "os riscos econômicos e de segurança global que uma agressão da Rússia à Ucrânia representaria e concordou que a redução de tensões e a diplomacia são a maneira responsável de proceder".
Na quarta-feira, Washington disse esperar um possível ataque russo à Ucrânia para "meados de fevereiro". A número dois da diplomacia americana, Wendy Sherman, afirmou que a abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 4 de fevereiro, pode influenciar o calendário de Putin, para evitar ofender Xi durante este grande evento para a China.
Putin deve comparecer à abertura dos Jogos, tornando-se um dos primeiros líderes internacionais a encontrar-se com Xi desde o começo da pandemia de coronavírus. A subsecretária de Estado americana para Assuntos Políticos, Victoria Nuland, pediu que a China use seus laços com Moscou para ajudar a evitar uma guerra.