Correio Braziliense, n. 22635, 11/03/2025. Política, p. 4

Nísia: "Campanha misógina"
Mayara Souto


A ex-ministra da Saúde Nísia Trindade enfatizou ter sofrido uma "campanha sistemática e misógina" de desvalorização do seu trabalho à frente da pasta. A declaração ocorreu no discurso de despedida, nesta segunda-feira, no Palácio do Planalto, durante a posse do novo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e da ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann.

"Durante os 25 meses em que fui ministra, uma campanha sistemática e misógina ocorreu de desvalorização do meu trabalho, da minha capacidade e da minha idoneidade", frisou a ex-ministra, na presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Não é possível, e acho que não devemos aceitar como natural comportamento político dessa natureza. Podemos e devemos construir uma nova política, baseada efetivamente no respeito, e destaco o respeito a nós, mulheres, e no diálogo em torno de propostas para melhorar a vida de nossa população", acrescentou.

O nome de Nísia foi ventilado diversas vezes como passível de ser demitida, principalmente durante a epidemia de dengue que o país viveu no início de 2024, com mais de 6,5 milhões de casos. No fim do mês passado, ela foi exonerada por Lula, após semanas de fritura, em que aliados davam como certa a saída dela do governo.

No discurso, a ex-ministra também relembrou os desafios que enfrentou à frente da pasta, ao assumir o cargo em 2023. "Presidente Lula, como é de seu conhecimento, encontrei um Ministério da Saúde desmontado e desacreditado. Ele perdera sua autoridade de coordenar o SUS, após a terrível experiência das 700 mil mortes por covid-19 no governo passado", destacou. "Durante nosso trabalho de reconstrução, encontramos mais de 4.500 Unidades Básicas de Saúde (UBS) instaladas, que aguardavam credenciamento havia quatro anos; mais de quatro mil obras paralisadas; e inúmeros leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) não cadastradas", enumerou.

Nísia também ressaltou que "a pobreza e a desigualdade fazem mal à saúde, e a superação desse quadro requer efetivas políticas públicas". "Por acreditar na urgência dessa tarefa e, após presidir a Fiocruz e ter me colocado na linha de frente da proteção da sociedade brasileira na pandemia de covid-19, aceitei com entusiasmo o convite do presidente Lula", afirmou ela, dizendo acreditar ter sido "a ministra do SUS".

"Saio com a certeza de que nosso trabalho fez a diferença e com a mesma convicção que sempre me moveu: a luta por um Brasil mais justo, soberano e onde a saúde seja um direito de todos, não um privilégio de poucos", finalizou a ex-ministra.

Frase

"Durante os 25 meses em que fui ministra, uma campanha sistemática e misógina ocorreu de desvalorização do meu trabalho, da minha capacidade e da minha idoneidade. Acho que não devemos aceitar como natural comportamento político dessa natureza”

Nísia Trindade, ex-ministra da Saúde

Memória
Ofensivas em série

A ex-ministra Nísia Trindade foi demitida da pasta da Saúde em 25 de fevereiro, após uma “fritura” nos últimos meses, acarretada por insatisfações do Congresso, de integrantes do governo e do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cobrava uma marca forte do ministério. No ano passado, Nísia já havia enfrentado pressões para deixar o cargo, mas foi blindada por Lula.

Em 2024, as investidas para tirar a ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz de um dos ministérios mais cobiçados, com um orçamento de R$ 239,7 bilhões, vinham do Centrão, sobretudo do então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e também de dirigentes do próprio PT, como o então deputado Washington Quaquá (RJ), vice-presidente do partido.

Em julho do ano passado, Lula se manifestou contra essas pressões, afirmando que alguns ministros eram “intocáveis”. À época, durante a cerimônia de sanção do novo Mais Médicos, no Palácio do Planalto, ele se referiu a Nísia como “minha ministra”. Também durante a Conferência Nacional de Saúde em Brasília, em julho de 2023, Lula defendeu a permanência dela dizendo que foi preciso “uma mulher para fazer mais e fazer melhor”. Lula ainda tentou reformular a comunicação da pasta, chamando um marqueteiro para ajudar na gestão de Nísia às vésperas da reforma ministerial. O pedido do presidente era para que o ministério tivesse mais entregas para mostrar iniciativas de peso na gestão do petista. Ele enfrenta queda na popularidade, que atingiu o pior índice dos seus três mandatos na Presidência: 24%.