Valor Econômico, 22/05/2020, Finanças, p. C3
Senado aprova criação de certificado de recebíveis de educação
Ana Paula Ragazzi
O Senado aprovou, dia 20, um projeto de lei (PL) que cria o certificado de recebíveis da educação (CRE). A ideia é replicar o formato de securitização que já existe para o setor imobiliário e o agronegócio (CRI e CRA) para ampliar as possibilidades de financiamento às instituições de ensino. Como as universidades já acessam o mercado de capitais, o foco aqui, avaliam especialistas, será o ensino básico. Agora, o PL deve ser examinado pela Câmara de Deputados.
Chamou atenção dos especialistas a rapidez com que foi aprovado no Senado. Em 3 de abril, um grupo de 15 associações ligadas à educação encaminhou uma carta ao presidente Jair Bolsonaro. Nela, pediam a criação do CRE, alegando um “sub-financiamento histórico no setor”, que só contaria com “programas pontuais” do governo, como o Fies. Na carta, mencionavam as dificuldades do segmento na crise e a dependência das instituições de ensino do giro da economia e do pagamento de mensalidades para sobreviver.
A principal opção dessas escolas é o crédito bancário, cada vez mais caro. Nesse momento, antecipar recebíveis via CRE poderia ser uma alternativa mais barata. A carta pedia a edição de uma medida provisória para criar o certificado. E as associações queriam que o governo entrasse como garantidor das operações por dois anos - isso foi retirado do texto pelos senadores.
Diego Gonçalves Coelho, sócio do Coelho Advogados, afirma que já há alguns anos o setor pressiona o governo por mais opções de financiamento. “É uma ideia que pode funcionar se sair de maneira rápida, aproveitando a estrutura fiduciária e de securitização que já existe para o CRI e o CRA”, afirma. Na avaliação dele, o benefício fiscal dado ao investidor que compra esses papéis tende a atrair a pessoa física. “Há ainda o apelo de estar financiando instituições de ensino”, diz. O advogado ressalta que a CVM precisará regulamentar as emissões - embora por anos o mercado estruturou CRA com base nas regras dos CRI.
Pelo texto aprovado no Senado, a emissão dos CREs estaria condicionada à concessão de carência da mensalidade por três meses ao aluno cujo contrato lastreie cada papel. Os créditos em cada título deverão ficar limitados ao equivalente a 12 meses do contrato assinado entre o aluno e a escola. A emissão desses certificados não poderá prejudicar as políticas de descontos e bolsas de estudo concedidas pelas instituições.
Juliana Mello, sócia da securitizadora Fortesec, afirma que o prazo de 12 meses pode ser um impeditivo em termos de custo da estruturação. “Normalmente, os CRIs têm prazo de 3 a 15 anos, o que dilui o custo alto de estruturação desses papéis, por conta dos diversos agentes envolvidos no processo”, diz. Uma opção seria casar operações, renovando a cada ano, à medida que os alunos se rematriculem nas escolas.
Daniel Damiani, sócio da JK Capital, destaca que o certificado poderá ser uma opção para essas escolas, que hoje já estão enfrentando dificuldades na crise, com pedidos de descontos e inadimplência e só acessam crédito bancário. “Antecipar recebíveis dando em garantia imóveis tende a ser um formato para a operação”, diz. Para ele, este tende a ser um recebível de boa qualidade, já que pais evitam ao máximo retirar filhos da escola.
Leonardo Nascimento, sócio da Urca Capital, afirma que duas questões precisam ser bem analisadas nesse tipo de operação. Uma delas é o que chama de “lei do calote” - pais que deixam de pagar as mensalidades durante o ano, embora os filhos permaneçam na escola. A outra é que a escola precisa ter disciplina de gestão financeira muito rígida para não se atrapalhar ao antecipar os recursos.