O Estado de S. Paulo, n. 47999, 18/03/2025. Política, p. A6
CVM investiga ministros por cargos em conselho de empresa
Gustavo Côrtes
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais no País, abriu processo administrativo para apurar possíveis irregularidades na nomeação de três ministros do governo Lula para o Conselho de Administração da Tupy, metalúrgica com ações na Bolsa. Carlos Lupi (Previdência), Anielle Franco( Igualdade Racial) e Vinícius Marques de Carvalho( Controladoria-Geral da União) se tornaram conselheiros da Tupy em 2023 por indicação do BNDES Participações. Segundo a CVM, pela Lei de Conflito de Interesses, antes de assumirem seus cargos, eles deveriam ter obtido autorização da Comissão de Ética da Presidência, o que não ocorreu. Só neste ano a comissão deu parecer favorável às nomeações. Mesmo assim, os ministros podem responder a processo por violação ética.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu processo administrativo para apurar possíveis irregularidades na nomeação de três ministros do governo Lula para cargos em conselho de empresa privada. Para o órgão, que regula o mercado de capitais no País, os titulares da Previdência, Carlos Lupi, da Igualdade Racial, Anielle Franco, e da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Marques de Carvalho, deveriam ter realizado consulta formal sobre eventual conflito de interesses antes de assumirem cadeiras no Conselho de Administração da Tupy, uma metalúrgica multinacional com ações negociadas na Bolsa de Valores.
Procurados, os ministros disseram ter se submetido a processo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que não apontou conflito de interesses (mais informações nesta página). A Tupy afirmou que a eleição de membros do conselho segue políticas internas e “é baseada na autodeclaração do candidato sobre o cumprimento da legislação aplicável”.
Os mandatos dos três na empresa tiveram início em 2023 por indicação da BNDES Participações (BNDESPar), estatal que detém 28,19% das ações da Tupy, mas os casos só foram enviados à Comissão de Ética Pública da Presidência no fim do ano passado, após a CVM enviar ofício à companhia com questionamentos.
Após consulta, a Comissão de Ética emitiu parecer favorável aos ministros, mas o assunto não se encerrou. O colegiado vai decidir, no dia 24, se deve ser aberto processo por violação ética pelo fato de os três não terem consultado o órgão sobre o ingresso no conselho.
Segundo a Casa Civil, a comissão vai deliberar sobre a instauração de procedimento ético, que pode resultar em “censura ética”, sanção válida por três anos que funciona como uma “mancha” no currículo de servidores do Executivo.
AUTORIZAÇÃO. Em documento enviado à Tupy em outubro de 2024, a CVM diz que a Lei de Conflito de Interesses prevê que pessoas com cargos na administração pública federal só devem exercer atividade privada com autorização da Comissão de Ética. E recomenda que a empresa exija dos agentes públicos a comprovação de consulta formal e parecer de inexistência de conflito de interesses antes de nomeá-los.
Após a reprimenda da autarquia e com atraso de mais de um ano, os três ministros formularam consulta e obtiveram, no início deste ano, pareceres favoráveis, que serão submetidos aos demais integrantes da Comissão de Ética.
O presidente do colegiado, Manoel Caetano Ferreira Filho, relator dos casos, considerou que a indicação dos três é legítima, pois garante à União “representação qualificada e vinculada ao interesse público nesses órgãos de governança, contribuindo para a supervisão estratégica e proteção do patrimônio estatal”.
A Tupy é privada, mas sofre ingerência do governo em razão da participação da BNDESPar e dos fundos de pensão do Banco do Brasil, a Previ, e da Petrobras, a Petros, que também estão entre os acionistas.
COMITÊS. A remuneração paga pela Tupy aos membros do Conselho de Administração em 2024 foi de R$ 4,28 milhões, o equivalente, na média, a R$ 39 mil por mês para cada um deles. Houve, ainda, proventos de R$ 1,77 milhão por participações em comitês. Anielle é do Comitê de Pessoas, Cultura e Governança; Carvalho integra o Comitê de Auditoria e Riscos Estatutário; e Lupi, o Comitê de Estratégia, Inovação e Sustentabilidade.
Somados os ganhos pelo cargo público e pela atuação na empresa, ainda que não tenham qualificação condizente com a posição, os três receberam valores mensais acima de R$ 83 mil, quase o dobro do teto do funcionalismo público federal, hoje de R$ 46 mil.
Em outubro, o chefe de gabinete de Carvalho, Flávio Rezende Dematté, enviou e-mail ao presidente da Comissão de Ética sobre a cobrança da CVM. A resposta da secretária executiva do colegiado, Renata Almeida D’ávila, corroborou a posição do órgão regulador. “No exercício do cargo, a autoridade somente poderia exercer atividade privada após devidamente autorizada pela Comissão de Ética Pública.”