O Estado de S. Paulo, n. 47999, 18/03/2025. Metrópole, p. A14
Projeto antimáfia da Justiça endurece prisão de membros de facção criminosa
Marcelo Godoy
Texto em preparação no Ministério da Justiça quer facilitar sequestro de bens de organizações criminosas.
O governo federal prepara duas propostas para a área da segurança pública. Além da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que deve referendar o poder de polícia de guardas civis municipais e aumentar as atribuições das Polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF), o Ministério da Justiça e Segurança Pública prepara uma nova lei antimáfia, que já está sendo chamadana pasta de Lei Lincoln Gakiya, em homenagem ao promotor do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) jurado de morte pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).
Anova legislação deve facilitar o sequestro de bens de organizações criminosa sede seus líderes, além de estabelecer o regime de cárcere duro para os integrantes de facções, independentemente de decisão judicial. Ele passaria a ser condição do cumprimento depena por delitos de tipo mafioso, a exemplo do que acontece na Itália com o artigo 41 de seu Código Penitenciário.
Se as medidas devem se tornar nova lei ou se deve ser reformada atual lei de organizações criminosas
“Se o Brasil quer enfrentar o problema do crime organizado, que é internacional, que é empresarial hoje, é atacar as finanças, usar o Coaf, vigiar as fronteiras e atuar na área cibernética. As Forças Armadas devem dar apoio e devemos criar uma força nacional para isso”
José Dirceu
Ex-ministro da Casa Civil, filiado ao PT
Assim, os faccionados seriam privados de visita íntima, ficariam isolados dos demais presos e não teriam os direitos reservados aos presos comuns. Hoje, isso só ocorre quando a Justiça decide internar um detento no chamado Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que requer renovação de tempos em tempos pelo Judiciário – a maioria, porém, continua em prisões comuns.
Outro ponto do projeto que está nas mãos do secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, é tornar clara a definição de organização mafiosa, seguindo o conceito da Convenção de Palermo de combate ao crime organizado. Isso tornaria o domínio territorial, como o exercido por facções e gangues em bairros e comunidades de diversos Estados, não só agravante na hora da fixação das penas dos acusados bem como condicionante para agravar o cumprimento da condenação. Sarrubbo e o diretor-geral da PF, Andrei Passos Rodrigues, são os principais interlocutores do ministro Ricardo Lewandowski sobre o tema. Há ainda uma dúvida no governo: se as novas medidas antimáfia devem ser apresentadas como nova lei – ideia defendida por Sarrubbo – ou se devem reformar a atual lei de organizações criminosas, como quer a PF.
AGÊNCIA ANTIMÁFIA. Outra possibilidade que o governo estuda, mas que enfrenta resistências, é a criação de uma agência antimáfia nos moldes da Diretoria Investigativa Antimáfia (DIA), da Itália, para reunir em nível federal integrantes de diversos órgãos que poderiam propor medidas cautelares, como o sequestro de bens e a abertura de investigações sobre o crime organizado. Na Itália, é dessa diretoria que partem alguns dos maiores golpes contra organizações criminosas.
Caso traga ao País um arcabouço legal antimáfia, a nova lei e seus dispositivos poderão dar ao governo atual um discurso que lhe falta na campanha para 2026: o da segurança pública e do combate às máfias que aprofundam sua atuação no País. Esse foi um dos temas tratados pelo ex-ministro José Dirceu em almoço em São Paulo no qual ele revelou que o presidente Lula lhe pediu para ser candidato a deputado federal. Dirceu, que conversara com o petista um dia antes na festa para a ex-senadora Marta Suplicy, também em São Paulo, demonstrou qual deve ser o discurso do partido na área.
“Vamos reformar as penitenciárias, reformar as polícias, porque aqui em São Paulo nós vimos aonde chegou a investigação do caso Gritzbach ( assassinato de delator do PCC), porque o crime foi feito no local federal ( Aeroporto de Guarulhos), que policiais estavam envolvidos, civis e militares, no assassinato do delator. No Rio, nós vimos que o fracasso da UPP ( Unidade de Polícia Pacificadora) foi a infração da polícia no Alto Comando da PM e
nós sabemos que as milícias são dirigidas por esses policiais.”
Ele continuou: “Se o Brasil quer enfrentar o problema do crime organizado, que é internacional, que é empresarial hoje, é atacar as finanças, usar o Coaf ( Conselho de Controle de Atividades Financeiras), vigiar as fronteiras e atuar na área cibernética. As Forças Armadas devem dar apoio e devemos criar uma força nacional para isso”, afirmou.
GUARDAS CIVIS. Em 26 de fevereiro, Lewandowski apresentou uma nova versão da PEC da Segurança Pública. O texto foi ampliado para incluir as guardas municipais entre os órgãos de segurança pública previstos no artigo 144 da Constituição Federal.
A inclusão formaliza o papel dessas corporações no policiamento ostensivo e comunitário, agora já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Essa tese define que as guardas municipais podem exercer ações de segurança urbana, desde que não realizem as atividades de investigação criminal.
De acordo com o novo texto, a corporação municipal deve atuar de forma integrada com as Polícias Civil e Militar, sem exercer funções de polícia judiciária – o que foi determinado pela Corte. A PEC destaca a necessidade de regulamentação por meio de legislação municipal e da fiscalização por parte do Ministério Público.
De acordo com o Ministério da Justiça, as mudanças dão maior segurança jurídica para a atuação das guardas e evitam sobreposição de atribuições com as Polícias Civil e Militar, por exemplo. Segundo o ministro, a ampliação do texto da PEC também busca adequar a legislação à recente jurisprudência do STF e às demandas das gestões municipais. •