Título: Um sotaque ameaça a floresta
Autor: Nunes, Augusto
Fonte: Jornal do Brasil, 25/05/2008, País, p. A6

Esse moço é um crânio!", derramou-se o vice-presidente José Alencar depois de meia hora de convívio com Roberto Mangabeira Unger. Mineiro sabido, nem pediu a algum intérprete que o ajudasse a decifrar o palavrório asfixiado pelo sotaque de quem foi transferido de Boston para Brasília sem escalas num curso de português. Para reconhecer um gênio, Alencar não precisa saber o que pensa. Há coisas mais relevantes, e nenhuma faltava a Mangabeira. Os óculos de primeiro da turma. A sobrancelha magnificamente arqueada no espetáculo da superioridade. A boca franzida de quem luta para conter o aparte cruel mas luminoso. O queixo empinado que intimida ignorantes. A pose do especialista em tudo que não vê a hora de começar outra aula magna. Um crânio, sussurrava ao vice essa procissão de singularidades. É de gente assim que o PR precisa, emocionou-se Alencar. E o crânio virou figurão do partido. É de gente assim que o Brasil precisa, recordou-lhe a veia patriótica. E, por insistência do vice, virou ministro um homem que acusara o presidente Lula de chefiar "o governo mais corrupto da História". Até o fim de abril, Lula tinha na ponta da língua o discurso preparado para escapar de cobranças constrangedoras. A culpa fora de Alencar, argumentava. Só promovera o antigo desafeto a ministro de Assuntos Estratégicos para não ofender o amigo. Mas o Brasil não tinha motivos para insônia: o ministério não tinha funções definidas. No mesmo dia em que foi surpreendido pela altivez de Marina, escolheu Carlos Minc para sucedê-la. Demorou poucas horas para compreender que lidaria com uma Marina que diz o que pensa. Com a sem-cerimônia de quem entra só de colete no gabinete presidencial, Minc denunciou o avanço do desmatamento em Mato Grosso, enquadrou o governador Blairo Maggi, revelou que as verbas prometidas ao ministério ficam no papel e deixou claro que Mangabeira é um sotaque perdido no meio da selva. O governo não tem uma política ambiental, inquietou-se o país. Se tivesse, Lula não entregaria a Amazônia aos cuidados de uma dupla inconciliável. Minc quer combater os exterminadores da floresta. Mangabeira quer "vincular a Amazônia à indústria" para garantir empregos aos moradores da região ­ que, aliás, desconhece. "Mato Grosso não é só Amazônia, é também Centro-Oeste", acaba de descobrir. Logo saberá que o Amazonas não é só Amazônia, é também Noroeste, ou que o Pará não é só Amazônia, é também Norte. O Brasil já sabe faz tempo que Mangabeira não é só ministro. É também meio bobo.