Valor Econômico, 25/05/2020, Política, p. A7

Livro mostra que decisões do Supremo pendem para governo

Luísa Martins


Uma pesquisa feita ao longo dos últimos cinco anos sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) na seara política concluiu que a Corte tende a resolver conflitos em favor do governo federal, sobretudo em pautas econômicas. O resultado dilui a tese de bolsonaristas que têm ido às ruas protestar contra os supostos obstáculos que o STF tem imposto ao governo.

Extensão da tese de doutorado do juiz Fabrício Lunardi, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a pesquisa foi condensada no livro “O STF na Política e a Política no STF - Poderes, Pactos e Impactos para a Democracia”, uma publicação da Editora Saraiva com apoio do Instituto de Direito Público (IDP).

A obra reúne dezenas de estudos internacionais sobre a Corte constitucional brasileira, a mais sobrecarregada do mundo. “Ao distribuir poder, o STF costuma ser cauteloso. Comumente, aloca poder em relação ao órgão ou ente mais forte”, diz o texto.

Ao longo dos últimos 20 anos, por não encontrarem consenso político, temas como privatizações, responsabilidade fiscal e previdência foram os mais contestados nos tribunais. De acordo com o livro, independentemente do presidente da República, “o STF dá aval às políticas governamentais na imensa maioria das ações, sobretudo nas reformas”.

Apesar dessa tendência, o autor pondera que o STF não apoia políticas flagrantemente inconsistentes com a Constituição. Por isso, por exemplo, contrariou o presidente Jair Bolsonaro ao decidir que Estados e municípios também podem adotar medidas de combate ao coronavírus.

Um dos autores mais citados na obra é o professor da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, Daniel Brinks, especialista em política comparativa e direito público. Para ele, o STF é efetivo na proteção de direitos fundamentais, mas não tanto para vigiar a separação dos poderes, já que é mais propenso a apoiar atos presidenciais.

Outro dado diz respeito aos casos de repercussão geral, em que o STF suspende todas as ações que tramitam em instâncias inferiores sobre um mesmo tema até fixar uma tese geral que as oriente, o que pode levar anos. Dos 29 temas que geraram paralisação dos processos entre 2015 e 2018, sobretudo da área tributária, 26 eram de interesse direto do governo, que acabou beneficiado por um adiamento desses pagamentos.

Na área criminal, o Supremo viu a demanda aumentar a partir de 2014, quando a Operação Lava-Jato atingiu centenas de autoridades com prerrogativa de foro e intensificou a pressão sobre os ministros. Para Lunardi, no entanto, não se pode colocar a polarização política na conta da Corte. “Pelo contrário. Mesmo em casos emblemáticos, a decisão acaba sendo conciliadora, no sentido de buscar equilíbrio e evitar uma grande ruptura”, disse ele, em entrevista ao Valor.

Alvo de críticas por Bolsonaro, a decisão do ministro Alexandre de Moraes de barrar a posse do delegado Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal (PF) é um exemplo. De um lado, a pressão popular para suspender a nomeação; de outro, a escolha pelo braço-direito de Ramagem para o comando da corporação, que restou mantida. “A coisa se acomodou: nem a autoridade do STF foi desafiada, nem o presidente deixou de fazer o que queria: nomear alguém de sua confiança”, afirmou o juiz.

As decisões estratégicas do Supremo para preservar sua autoridade variam de acordo com o jogo de forças políticas do momento, aponta Lunardi. Dois casos parecidos, mas com tratamentos diferentes, ilustram essa tese.

O primeiro é o do senador Renan Calheiros (MDB-AL). Ele foi afastado da presidência do Senado pelo ministro Marco Aurélio Mello, mas no plenário costurou-se uma solução intermediária: permaneceria no cargo, mas não ocuparia a linha sucessória da Presidência. Sem gozar do mesmo prestígio no Legislativo, o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) não teve o mesmo destino: o plenário confirmou a liminar que o havia afastado do mandato, e, consequentemente, da presidência da Câmara.