Valor Econômico, 25/05/2020, Política, p. A6
Bolsonaro cita artigo de lei para criticar decano do STF
Fabio Graner
Matheus Schuch
Natalia Portinari
Após a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril e em meio ao acirramento da crise política, o presidente Jair Bolsonaro fez um ataque indireto ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, ao divulgar ontem o artigo 28 da lei de abuso de autoridade. O trecho, publicado na rede social Facebook, diz: “divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
A publicação foi feita pouco antes de o presidente deixar o Palácio da Alvorada para se encontrar com manifestantes favoráveis a seu governo e críticos das instituições como STF e Congresso.
Na sexta-feira, Celso de Mello liberou a gravação e a transcrição de praticamente toda a reunião ministerial de abril, que é parte do inquérito que investiga suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. A tese dos bolsonaristas é de que só deveriam ter sido divulgados os trechos diretamente relacionados à investigação e não praticamente todo o encontro.
Ao publicar o trecho da lei 13.869/2019 (abuso de autoridade), o presidente sinaliza que pode acentuar mais o embate entre os Poderes, em especial com a mais alta Corte, se resolver processar Mello com base nesse artigo. A publicação, porém, não trouxe explicitamente o que Bolsonaro pretende fazer sobre o episódio.
Além da divulgação do vídeo, Mello também é alvo de ataques de bolsonaristas por ter enviado à Procuradoria-geral da República (PGR) pedido para que o presidente entregue seu celular à perícia.
A despeito do aumento na temperatura política, Bolsonaro teve um fim de semana bastante ativo nas ruas de Brasília. No sábado, passeou pela cidade, onde encontrou com seu quarto filho, Jair Renan, e com o ministro da secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Até cachorro-quente, na Asa Norte, o presidente parou para comer. Ao longo da jornada, ouviu palavras de apoio, mas também duros ataques, inclusive com panelaços, de populares das vizinhanças.
Ele mais uma vez falou do uso da cloroquina. Em rápida conversa com a imprensa, na qual não quis responder perguntas, o presidente disse que “toma quem quer” a droga, mas apontou que ela seria hoje a única possibilidade de recuperação, embora não haja comprovação de eficácia e estudos mais recentes apontem, inclusive, na direção contrária.
Diante da denúncia dos profissionais de imagem sobre agressões de apoiadores do governo, respondeu: “Faço um apelo para ninguém agredir a imprensa”.
Já ontem, Bolsonaro fez um sobrevoo de helicóptero pela região central da cidade, onde ocorreu uma manifestação de apoio a ele, com carreata e pessoas concentradas na Praça dos Três Poderes. A movimentação aos domingos tem sido recorrente, desde que as quarentenas estaduais começaram. Ao chegar ao local, o presidente, sem usar máscara, caminhou a pé rumo à concentração de manifestantes.