O GLOBO, n 32.319, 31/01/2022. Economia, p. 16
Juros elevados aumentam apetite por crédito privado
Naiara Bertão
Especialistas avaliam que cenário macro ainda pesa no desempenho, mas que investidor tem possibilidade de retorno acima da inflação
Na gangorra dos juros no Brasil, quando a Selic está alta, como é o caso agora, a renda fixa naturalmente ganha adeptos. Depois de um 2019 e um 2020 desafiadores, o segmento de fundos de crédito privado, uma das modalidades de investimento em renda fixa, teve um 2021 muito bom e começa este ano com boas perspectivas. Pelo menos por ora.
Esses fundos investem em títulos de dívida corporativa, como debêntures, debêntures incentivadas, recebíveis imobiliários (CRIs) e do agronegócio (CRAs), além de dívida bancária, como CDBs, LFs (Letras Financeiras) e outras operações estruturadas. Eles podem ainda ter títulos públicos para compor o restante do patrimônio.
— Tivemos o melhor ano da história do mercado de capitais, olhando a dívida corporativa. Muito dinheiro de investidor disponível de um lado, e as empresas precisando se financiar de outro, aproveitando a janela positiva para fazer isso — resume Marcos Iorio, gestor da Integral Investimentos, que administra alguns fundos de investimento em crédito privado.
De fato, os números da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostram que os fundos que investem em dívida de empresas tiveram captação líquida de R$ 104,46 bilhões no ano passado, depois de registrarem resgate de R$ 225,11 bilhões em 2020.
TAXA PRECISA SER ATRAENTE
E a rentabilidade também ajudou. Levantamento feito pelo economista e blogueiro do Valor Investe Marcelo d’Agosto, considerando os fundos de crédito privado acompanhados no Guia de Fundos do Valor, mostra que 91% desses produtos renderam em 2021 mais do que o CDI, que subiu 4,42% no ano. Os dez fundos de maior rentabilidade na categoria, aliás, tiveram retorno positivo médio de 12,5%, quase três vezes o CDI.
É possível investir em crédito privado tanto por meio de fundos —mais recomendável para quem é menos experiente —como diretamente. O investidor ainda deve ter em mente que, por esse instrumento, empresta dinheiro para uma empresa ou instituição financeira. E só faz sentido se arriscar a um calote desse sentes se a taxa de retorno prometida for superior àquela paga por títulos públicos emitidos pelo Tesouro com as mesmas características. Essa é a lógica de gestores e investidores desse mercado.
Quando emprestar para empresas pode render mais do que as taxas de referência? E, assim como nos papéis prefixados ou atrelados à inflação do Tesouro Direto, quanto maior a taxa no momento da compra, melhor para o investidor. Se essa taxa cai depois, ele antecipa parte do ganho. Se a taxa sobe, pode ter prejuízo se precisar sair da aplicação no meio do caminho.
O bom retorno desse tipo de investimento no ano passado se explica, principalmente, pelo mau desempenho em 2019 e 2020. Gilberto Kfouri, responsável pela área de investimentos e especialista em renda fixa da gestora do banco BNP Paribas, explica que, em 2019, o mercado de crédito privado já havia passado por uma turbulência, com investidores resgatando em massa para migrar para a renda variável. Diante da pressão de venda, o preço dos ativos de crédito privado se desvalorizou.
Em 2020, com a pandemia, o risco de inadimplência, diante da paralisação das atividades, derrubou os papéis.
—Vimos papéis bons e saudáveis, que antes pagavam CDI mais 1% a 1,5% ao ano, sendo vendidos a CDI mais 4% a 4,5% ao ano. Nem quem tinha as melhores notas de crédito se safou —diz Kfouri.
Em toda crise, porém, há oportunidades. E muitos fundos de crédito aproveitaram para comprar papéis de empresas bem avaliadas pelas agências de classificação de risco (ou seja, com baixo risco de calote) e que pagavam bem.
‘VOLTANDO AO NORMAL’
Em 2021, o vento virou a favor de quem comprou na bacia das almas no ano anterior.
—Ao longo de 2021 vimos um mercado voltando ao normal, com as taxas diminuindo em 2 a 3 pontos percentuais, ou seja, os ativos voltando a pagar CDI mais 1,2% a 2% ao ano— diz Christopher Smith, diretor de investimento da Capitânia.
Para este ano, os gestores estão otimistas, mas não esperam que o excelente desempenho de 2021 se repita.
— Entramos em 2022 com um mercado em equilíbrio entre oferta e demanda. O nível de prêmio está saudável e ainda atrativo, na casa de CDI mais 1,5% ao ano para emissores excelentes. Esses mesmos emissores estavam pagando CDI mais 0,5% ao ano antes da pandemia — afirma Pierre Jadoul, gestor de crédito privado da ARX Investimentos.
Em termos de risco, existe menos preocupação com a saúde financeira das empresas e mais com o aspecto macro do país, de inflação alta, risco fiscal e incerteza política. Segundo Iorio, da Integral, nesse cenário os gestores olham para nomes mais óbvios e não elevam o risco das carteiras.
Em termos de rentabilidade esperada, porém, analistas recomendam fazer as contas.
— O investidor precisa entender que uma rentabilidade de 200% do CDI parece excepcional, mas perdeu da inflação em 2021. Em 2022, talvez não entregue 200% do CDI, mas nominalmente será um resultado mais saudável, que deve ganhar da inflação — diz Smith.