Correio Braziliense, n. 22637, 13/03/2025. Política, p. 3
Economia em tempo de desafio
Rosana Hessel
Fernanda Strickland
Maiara Marinho
Vanilson Oliveira
O aumento da incerteza internacional, a deterioração das expectativas de inflação e a desaceleração da atividade econômica estão entre os principais desafios para o crescimento mais sustentável do Brasil neste ano. A avaliação é do presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney. Conforme salientou, o país não pode se isolar dessa realidade. “O mundo que conhecíamos mudou de forma radical”, advertiu, ontem, no primeiro painel do Brasil Summit 2025, evento realizado pelo Lide em parceria com o Correio Braziliense.
Sidney enfatizou a necessidade de uma nova perspectiva para enfrentar os desafios econômicos em um cenário de desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) e de uma guinada significativa da geopolítica, com os Estados Unidos novamente sob a presidência de Donald Trump. A maior economia do planeta tem se afastado da liderança compartilhada com os aliados ocidentais para um modelo protecionista e isolacionista.
“A palavra-chave sobre o que está acontecendo é, de fato, uma deterioração das incertezas, um cenário de muita insegurança”, ressaltou, ao comentar o aumento das tensões no cenário externo. Mas, mesmo com esse panorama preocupante, Sidney reconheceu que a economia brasileira, apesar das dificuldades, mantém uma posição relativamente estável. “Não podemos abusar da sorte. O mar lá fora está revolto e precisamos fortalecer o casco da nossa embarcação”, alertou.
O presidente da Febraban defendeu, ainda, que o país deve adotar medidas para proteger-se dos impactos externos e, ao mesmo tempo, buscar oportunidades na crise. Segundo Sidney, a instabilidade internacional impõe desafios, mas, também, abre espaço para estratégias que fortaleçam a economia nacional. “Precisamos saber navegar nesses mares bravios”, ressaltou. Para o Brasil, o cenário é desafiador, ressaltou Sidney. O país, com um volume expressivo de exportações, pode ser diretamente atingido pelas novas políticas comerciais dos EUA. Além disso, há riscos potenciais para o fluxo de investimentos estrangeiros. “Estamos em um período de grande volatilidade nos mercados e isso tende a se intensificar”, observou.
Reformas
Diante das incertezas no mercado internacional, da piora das perspectivas para a atividade econômica e da deterioração do quadro fiscal neste ano, o exministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central (BC) Henrique Meirelles foi taxativo sobre a necessidade de o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomar a agenda de reformas — sobretudo a administrativa. Na avaliação dele, mexer no setor público ajudará o governo a reduzir as despesas e, até mesmo, zerar o rombo das contas públicas. Meirelles lembrou que, quando estava na Secretaria de Fazenda de São Paulo, a reforma administrativa coordenada por ele, em 2022, permitiu uma economia de R$ 53 bilhões aos cofres do governo paulista.
“Uma reforma no governo federal poderia ser maior e, sim, resolver, de maneira consistente e sustentável a situação fiscal”, destacou Meirelles, que também é co-chairman do Lide. Com a bagagem de ex-ministro da Fazenda do governo Michel Temer, ele lembrou que o Brasil fez reformas nos últimos governos e ressaltou a trabalhista, que conduziu. Ele evitou criticar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, conforme avalia, vem sofrendo bombardeio de integrantes do próprio governo na tentativa de equilibrar as contas públicas. Mas considerou um erro substituir o teto de gastos — proposto pela equipe de Meirelles e aprovado em 2016 — pelo arcabouço fiscal, criado pelo time de Haddad. “A agenda dele é positiva, mas não está endereçada ao cerne da questão”, alertou Meirelles, lembrando que o governo Lula mantém uma política fiscal expansionista, na contramão da agenda do BC — que é obrigado a aumentar os juros. “Temos alguns desafios importantes pela frente, mas a estrutura da economia brasileira já teve um grande impulso com as reformas estruturais feitas. Temos que prosseguir, principalmente, na reforma administrativa”, disse.
Resistência
Meirelles lembrou que o Brasil está mais resistente às crises externas devido ao colchão de reservas de moedas estrangeiras, implementado nos oito anos em que esteve à frente do BC, nos dois primeiros mandatos de Lula. “Tivemos a maior saída de dólares do país em dezembro exatamente devido à preocupação com os problemas fiscais. Mas não tivemos crise, ao contrário do passado, porque temos mais de US$ 350 bilhões de reservas”, frisou.
Meirelles e Sidney reconheceram que o controle da inflação continua sendo um dos mais importantes desafios do país — em fevereiro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apresentou alta de 1,31%, maior patamar desde 2023, e a taxa acumulada em 12 meses segue acima do teto da meta, de 4,50%. Com isso, o BC deve manter o aperto na política monetária, mantendo elevada a taxa básica de juros. O ex-presidente do BC apontam que a Selic (13,25% ao ano) está alta, mas não é suficiente para conter a inflação, em grande parte devido à falta de confiança do mercado no compromisso do governo em reequilibrar as contas. Meirelles ressaltou que há um descompasso entre a política fiscal e a monetária e, por isso, a autoridade monetária tem dificuldades para reduzir a inflação para o centro da meta, pois a política fiscal segue expansionista.