O Estado de S. Paulo, n. 47997, 16/03/2025. Política, p. A9
Deputados estaduais de SP contratam empresas de aliados com verba pública
Bianca Gomes
Zeca Ferreira
Deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) mantêm contratos com empresas ligadas a seus assessores e aliados políticos. Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmaram que essa prática pode configurar conflito de interesses e favorecimento. Parlamentares, no entanto, negam qualquer irregularidade.
Um exemplo disso ocorre no gabinete da deputada estadual Professora Bebel (PT), no qual um assessor parlamentar é sócio de empresa contratada para prestar serviços de comunicação para o mandato da petista. Com salário líquido de R$ 17 mil, Walmir Siqueira foi nomeado assistente especial parlamentar no gabinete de Bebel em dezembro de 2023.
Dois meses antes, a CCN Notícias, empresa da qual Siqueira é sócio majoritário, passou a oferecer serviços de divulgação das atividades parlamentares da deputada. De outubro de 2023 a janeiro de 2025, a CCN Notícias recebeu R$ 112 mil do gabinete de Bebel. A empresa mantém um portal em que a deputada assina uma coluna, e Siqueira é identificado como um de seus diretores.
A CCN Notícias foi criada em 2020 e tem quatro sócios, dois deles com vínculos com a Alesp. Siqueira, além de atuar no gabinete de Bebel, trabalhou entre 2003 e 2011 com o ex-deputado estadual Roberto Felício (PT). Já Sérgio dos Santos foi assessor do ex-deputado estadual Carlos Grana (PT) de 2011 a 2012.
A contratação de empresas vinculadas a ex-assessores parlamentares não é prática incomum na Alesp, assim como a nomeação dos próprios sócios dessas empresas em cargos nos gabinetes dos deputados.
O deputado estadual Capitão Telhada (PP) também escolheu uma empresa ligada a aliados para prestar serviços de comunicação. Entre 2023 e 2025, a I9 Marketing e Mídia Digitais recebeu R$ 220 mil do gabinete do ex-policial militar para divulgar sua atividade parlamentar. Com sede em Brasília, a I9 é ligada a Luís Fernando da Rocha Araújo, atual sócio-administrador da empresa, e a Antônia Daniele Melo Araújo, que já ocupou o mesmo cargo. Ambos trabalharam como secretários parlamentares de Coronel Telhada (PPSP), pai de Capitão Telhada, na Câmara dos Deputados.
IMÓVEL. O então deputado estadual Gerson Pessoa (Podemos), atualmente prefeito de Osasco, desembolsou R$ 473 mil entre 2023 e 2024 no aluguel de um imóvel de um integrante de seu círculo político. Durante seu mandato na Alesp, Pessoa pagava mensalmente R$ 22 mil a Thiago Borges Batista. Hoje, Batista é secretário municipal de Esporte. A nomeação foi feita pelo exprefeito e padrinho de Pessoa, Rogério Lins (Podemos).
Nas eleições do ano passado, enquanto recebia os pagamentos pelo aluguel, Batista fez campanha para Pessoa em suas redes sociais.
SANÇÕES. Especialista em Gestão Pública, o advogado Welington Arruda afirmou que a contratação de empresa de assessor pode configurar conflito de interesses. “Se o assessor faz parte do gabinete e exerce influência sobre contratos, como garantir que sua empresa foi contratada por mérito e não por relações pessoais?”
Ainda segundo ele, dependendo do contexto, a situação pode caracterizar improbidade administrativa, sujeitando o responsável a multas e perda de mandato. Em casos mais graves, pode até configurar peculato, caso haja comprovação de desvio de verba pública.
Para a advogada Aislane Vuono, esse tipo de contratação fere os princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade. Ela ressaltou que, mesmo sem a exigência de uma licitação, o uso de verbas parlamentares deve obedecer a esses princípios.
“Quando parlamentares empregam empresas ligadas a seus próprios assessores ou parentes de aliados políticos, surgem suspeitas de favorecimento e possível violação da Lei de Improbidade Administrativa”, observou a advogada.
CRITÉRIOS. Ao Estadão, Professora Bebel afirmou que a contratação do CCN Notícias ocorreu com base em critérios objetivos e na capacidade do veículo de ampliar a divulgação das ações do mandato. “Os serviços de assessoria parlamentar prestados pelo Sr. Walmir Siqueira não se confundem, em absolutamente nada, com os serviços do Coletivo de Comunicação Norte Notícias, que conta com outros sócios.”
A nota ressalta que as contratações realizadas por deputados passam pela análise do Núcleo de Fiscalização e Controle (NFC) da Alesp. Procurada, a CCN não se manifestou.
Capitão Telhada disse que a empresa I9 Marketing presta serviços por meio de contrato aprovado pelo NFC, em conformidade com as normas legais e administrativas. “Não existe qualquer relação das pessoas físicas do quadro societário da empresa com nosso gabinete ou com a Casa, nem como assessores ou outro cargo comissionado.”
A I9 Marketing declarou que os sócios mencionados nunca tiveram nomeação ou vínculo formal com o gabinete de Capitão Telhada ou com a Alesp. Destacou ainda que, durante o período em que os sócios atuaram em gabinetes parlamentares, eles foram desligados da empresa, e a saída da sociedade ocorreu dentro dos prazos estabelecidos pela legislação.
Gerson Pessoa afirmou que o imóvel citado foi alugado pelo valor de mercado e escolhido com base em critérios de localização e custo-benefício para atender às necessidades do gabinete. Disse ainda que Thiago Batista foi nomeado secretário após a assinatura do contrato de locação, durante a gestão do prefeito anterior. “Por convicção, apoiou voluntariamente a candidatura de Gerson Pessoa a prefeito.” •
Contratar firmas ligadas a assessores ou aliados pode violar a Lei de Improbidade Administrativa