Título: Pela autonomia dos poderes
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 25/05/2008, Opinião, p. A10

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, qualificou de "extremamente importante" a decisão do governo ¿ pressionado pela oposição e pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN) ¿ de retirar do Congresso, para conversão em lei, a Medida Provisória 430/08, que abria crédito extraordinário de R$ 7,56 bilhões. Esse volume era destinado a bancar o reajuste de vencimentos de cerca de 800 mil servidores públicos, entre os quais os militares. Como se recorda, o presidente da República editara a MP no mesmo dia em que o STF deferiu liminar em ação de inconstitucionalidade proposta pelo PSDB, que tinha como alvo uma outra medida provisória, de dezembro do ano passado, que liberou verbas extraordinárias no valor de R$ 5,45 bilhões para "acerto de contas" em ministérios e órgãos vinculados à Presidência da República.

Gilmar Mendes comentou que a edição excessiva de MPs, com o trancamento automático das pautas da Câmara dos Deputados e do Senado, tem levado o Congresso a "uma perda de autonomia quanto à sua própria agenda". E lembrou que a decisão da maioria dos ministros do Supremo, ainda que em caráter liminar, nada mais foi do que garantir o respeito ao parágrafo 3º do artigo 167 da Carta Magna, segundo o qual "a abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública". Seria difícil o argumento ser mais claro: não pode o presidente baixar uma medida provisória com força de lei, fora dos limites dessa norma constitucional.

Apesar de integrar partido que apóia o governo, o presidente do Senado, Garibaldi Alves, demonstrou mais uma vez que não confunde o alto cargo que ocupa à frente do Legislativo com sua filiação partidária. Afirmou, em alto e bom som, que o acordo que permitiu a retirada da MP e o envio, pelo Executivo, de um projeto de lei com o carimbo de urgência constitucional é "a retomada, pelo Congresso, de uma prerrogativa que lhe é exclusiva, a de legislar". O Executivo ¿ que editou 23 MPs de liberação de créditos extraordinários, entre janeiro do ano passado e 4 de abril, num total de R$ 62,5 bilhões ¿ acomodou-se na prática de baixar no atacado tais medidas com força de lei. O Congresso acabou por se acostumar ao processo, esquecendo-se de que o artigo 64 da Constituição permite que o presidente da República solicite urgência para projetos de sua iniciativa, tendo o Legislativo os mesmos prazos para aprová-los, emendá-los ou rejeitá-los dos previstos na Carta para as MPs.

O senador Garibaldi Alves afirmou que o Congresso, ao levar o governo a retirar a MP e enviar um projeto de lei com solicitação de urgência, retomava "uma prerrogativa que lhe é exclusiva, a de legislar". E acrescentou: "O governo se acostumou com a edição de MPs e passou a achar tudo mais fácil, quando se tem outro caminho mais democrático e que leva ao mesmo objetivo".

Esse caminho, insista-se, é o do dispositivo do artigo 64 da Constituição, que permite ao presidente da República solicitar urgência para a apreciação de projetos de sua iniciativa, com prazos praticamente idênticos aos previstos para a conversão em leis de medidas provisórias.

O princípio fundamental da Carta Magna de que os poderes da União têm de ser independentes e harmônicos entre si teve, nesse caso, uma aplicação prática, algo que não se via há muito tempo. Foi respeitado de modo exemplar, em termos de harmonia. Executivo, Legislativo e Judiciário colaboraram para o mesmo fim. Que o episódio sirva de lição para um mecanismo institucional que precisa ser revisto.