Título: O que temos a falar; o que temos a aprender
Autor: Ananias, Patrus
Fonte: Jornal do Brasil, 25/05/2008, Opinião, p. A11

ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Vem da Europa a concepção de Estado de bem-estar social, de promoção de desenvolvimento humano, que vem sendo incorporada por outros países. E, justamente entre os países que avançaram em suas políticas sociais e encontram níveis ótimos de indicadores de igualdade social e de qualidade de vida, vamos encontrar uma disposição e empenho de promover troca de experiência para aperfeiçoamento das mesmas políticas. São países que no passado fizeram opção de investimento em políticas sociais e priorizaram recursos para a área.

Nesses países, os pobres são proporcionalmente poucos. Só para citar um exemplo, na Áustria representam 5% da população total e correspondem àquelas pessoas com renda bruta mensal inferior a 900 euros (R$ 2.291), o equivalente a 1/3 da renda média mensal no país. Mas além da meta da erradicação, a Europa também precisa se debruçar sobre o problema da inclusão em outros países menos desenvolvidos do ponto de vista social, além de enfrentar o problema da migração de países que no passado foram colônias, uma herança do colonialismo e da injustiça social no mundo. Esse entendimento integra uma compreensão da necessidade de promoção de desenvolvimento integrado. A existência de uma estrutura social forte, ao contrário de ser entrave ao desenvolvimento econômico, acabou se tornando um fator positivo de ampliação da competitividade nacional. Está aí o exemplo dos países escandinavos para confirmar.

O Brasil figura entre os interlocutores na proposta de intercâmbio de políticas elaborada por esses países. Recentemente, estivemos na Bélgica, onde assinamos um memorando de cooperação com representantes da União Européia, e na Áustria, para conhecer o sistema social e também falar sobre nossas políticas. Ambas as viagens aconteceram a convite dos governos locais, interessados em conhecer também as experiências que estamos implantando no Brasil.

Essas questões nos fornecem bons elementos para reflexão. Primeiro, o fato de que o Brasil é hoje uma referência mundial no campo das políticas sociais. Mesmo que ainda não tenhamos alcançado patamares ideais, a estrutura que estamos construindo no país está em sintonia e dialoga com o que há de mais avançado na área. O memorando, que envolve também o Ministério da Previdência Social brasileiro, é o ponto de partida para que o Brasil e os países da Comunidade Européia troquem, de forma sistemática, experiências e realizem uma série de atividades e estudos conjuntos no campo social.

Mas se temos muito a falar, temos também muito a ouvir, observar, aprender. Os países europeus que hoje se encontram no topo dessa discussão, começaram a implantar suas redes de proteção e promoção social há mais de 100 anos, promovendo investimentos maciços e constantes, para aperfeiçoar suas políticas de modo a acompanhar a evolução da demanda social do país. A idéia é manter a promoção do desenvolvimento humano de seus cidadãos.

Na viagem à Áustria, impressiona o grau de refinamento de suas políticas sociais, que respondem por significativos 29% do orçamento nacional, e a proporcional atenção à área destinada pelo governo que se mantém insatisfeito com os 5% de pobreza. Para nós que, pela primeira vez conseguimos um índice inferior a 20% ¿ hoje 19,3% da nossa população é pobre ¿ pode espantar. Mas o ministro Erwin Buchinger, da área social, considera vergonhoso que esse índice tenha se mantido estável nos últimos 10 anos e que nesse período seu país não tenha conseguido reduzir ainda mais a pobreza. Ou seja: para além de alcançar patamares dignos e bons, coloca-se a necessidade de continuar avançando.

Certamente estamos em patamares muito diferentes. Nossos desafios são de outra ordem de grandeza. Nossa dívida social é muito grande e pesada e apenas começamos a resgatá-la enquanto os países europeus estão com pelo menos um século de dianteira nessa missão. Para ter uma dimensão, entre 2003 e 2006, conseguimos fazer com que, no Brasil, cerca de 14 milhões de pessoas deixassem de viver na extrema pobreza.

No passado, não investimos o suficiente para garantir uma política de inclusão no Brasil. Isso nos levou a uma dívida elevada e por isso nossos primeiros resultados, ainda que significativos, parecem menores em comparações com outros países. Nosso investimento ainda é para incluir milhões de brasileiros nos direitos mais elementares da cidadania e da dignidade humana, como o direito à alimentação.

Mas estamos no caminho e estamos construindo uma base sólida e nossas políticas sociais têm um horizonte claro, indicando para os sonhos de todos os brasileiros, que é a construção de uma sociedade que garanta a todos os seus cidadãos os direitos sociais.