O GLOBO, n 32.320, 01/02/2022. Economia, p. 11

Contas públicas fecham no azul pela 1ª vez desde 2013

Gabriel Shinohara


Superávit foi de R$ 64,7 bi. Inflação ajudou a melhorar a arrecadação. Dívida caiu para 80,3% do PIB, abaixo dos 88,6% de 2020

O setor público consolidado (que reúne União, estados e municípios) fechou as contas no azul no ano passado, o que não acontecia desde 2013. O superávit primário (receitas menos despesas antes do pagamento dos juros da dívida) foi de R$ 64,727 bilhões, o equivalente a 0,75% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme divulgou ontem o Banco Central (BC).

O resultado ajudou a reduzir a parcela da dívida pública em relação ao PIB. Depois de finalizar 2020 em 88,6% do PIB e chegar ao pico em fevereiro do ano passado, a dívida pública seguiu caindo nos últimos meses e terminou 2021 em 80,3% do PIB.

Mas foi a inflação que mais ajudou a reduzir a dívida, segundo especialistas. O PIB de 2021 avançou porque a atividade econômica demonstrou uma recuperação em relação ao primeiro ano da pandemia. Além disso, a inflação acima dos 10% contribuiu para aumentar o chamado PIB nominal (sobre o qual a dívida é calculada). Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, lembra que isso ajuda também na arrecadação de impostos:

— Um exemplo é o petróleo. O preço subiu e o preço da gasolina aqui também. O ICMS, que é um percentual (que incide sobre o valor do combustível), também subiu. Consequentemente, a arrecadação dos estados melhorou, e a fotografia fiscal também.

Já a incorporação de juros nominais — que subiram de 2% ao ano para 9,25% —e a desvalorização cambial tiveram impacto contrário.

Esse patamar de dívida de 80,3% em relação ao PIB é o menor desde abril de 2020, quando estava em 78,4%. Antes do início da pandemia, em fevereiro de 2020, o índice estava em 75,3%.

A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, espera que a dívida suba para 84,8% em 2022. Segundo o relatório da instituição de janeiro, os juros mais altos e um resultado pior das contas públicas vão fazer a dívida aumentar.

Ariane Benedito, economista da CM Capital, reconhece que o resultado fiscal de 2021 foi bom, mas a expectativa para este ano é “bem pior” por causa do crescimento baixo e da inflação perto do teto da meta, em 5% ao ano:

—Se a gente olhar a projeção só de crescimento já é baixa, quando a gente adiciona a política monetária mais contracionista, a situação fica pior ainda.

Enquanto o governo central — que inclui o governo federal, INSS e Banco Central — teve um déficit de R$ 35,9 bilhões no ano, os governos regionais registraram superávit de R$ 97,7 bilhões, e as empresas estatais, de R$ 2,9 bilhões.

Sanchez diz que a inflação trouxe uma “ilusão” de benesse fiscal:

— A inflação é a grande responsável pelo resultado fiscal porque não tivemos uma melhora na dinâmica de gastos. O que surpreendeu foi a arrecadação. E por que veio melhor? Por causa da inflação, de maneira sistemática.