Valor Econômico, 25/05/2020, Especial, p. F7

A informação recupera o prestígio

Carlos Eduardo Lins da Silva


O jornalismo profissional, que tem enfrentado há pelo menos 25 anos a mais grave crise estrutural de sua história, sofre dois efeitos contraditórios da pandemia do novo coronavírus.

Por um lado, sua credibilidade, que vinha sendo colocada em xeque desde a disseminação das redes sociais, vem se recuperando, já que a maioria das pessoas agora percebe que é por seu intermédio que pode obter informações confiáveis sobre temas que são questões de vida ou morte.

Mas a profunda recessão resultante da quase paralisia de diversas atividades econômicas diminui ainda mais as chances de sobrevivência de muitos veículos, em especial os de cidades pequenas ou médias, como já se vem observando nos EUA.

O público tem reconhecido a boa qualidade do trabalho da imprensa. Em março, o Instituto Datafolha revelou que 61% das pessoas entrevistadas por ele disseram confiar nas informações sobre a crise veiculadas por emissoras de TV, 56% nas dos jornais e 50% nas das emissoras de rádio.

Já o índice de confiança em plataformas virtuais como WhatsApp e Facebook, segundo a mesma pesquisa, ficou em 12%. O resultado desse levantamento se alinha com o de realizados em outros países.

A audiência de telejornais, programas jornalísticos de rádio e de jornais e revistas em suas edições impressas ou eletrônicas teve aumento de grande intensidade, como não era registrado havia décadas.

No entanto, a queda na receita publicitária agravou ainda mais a situação das empresas que editam esses veículos. Setores da economia em que atuam grandes anunciantes, como comércio, turismo, gastronomia, cultura, estão com atividades suspensas e precisarão de tempo para se recompor quando voltarem.

Há ainda o problema de marcas que não desejam ter sua imagem associada às más notícias da tragédia da covid-19 e se recusam a colocar sua publicidade em veículos que a cobrem.

Com o desemprego em alta, com previsões de que no Brasil possa chegar até perto de 18%, será difícil manter e captar novos assinantes para compensar o decréscimo dos anúncios.

A recomposição do prestígio da informação de boa qualidade constitui ativo de grande importância para o jornalismo e pode ajudar a garantir o seu futuro. Mas é preciso encontrar saídas materiais para que tal futuro possa existir.

Isso pode estar garantido para grandes veículos, que lograram mais ou menos se reestruturar com base em centenas de milhares, em alguns casos milhões de assinantes que pagam para ter acesso a seu conteúdo.

Mas este não é o caso da maioria dos títulos. Uma das saídas discutidas é a de auxílio estatal, de que já começam a se beneficiar muitas indústrias. Mas esta é uma alternativa de difícil aceitação por parte da imprensa porque uma de suas características fundamentais que asseguram a boa qualidade de seu produto é a independência que ela precisa ter em relação a todos os governos.

É exatamente essa independência que lhe possibilita exercer o papel vital de “cão de guarda” do Estado e que atrai para si a ira de governantes autoritários, como os agora comandam países como o Brasil, os EUA e muitos outros.

Uma alternativa é a provisão de recursos por parte das empresas que controlam plataformas das redes sociais, como Facebook e Google, que por décadas usaram o conteúdo gerado pelo jornalismo tradicional sem pagar por ele.

Atualmente, elas estão entre as maiores corporações do mundo, têm sofrido pressão regulatória em muitos países para compensarem a imprensa pelo uso de material por ela produzido e têm até voluntariamente destinado somas não muito significativas (quando comparadas ao seu faturamento), mas ainda assim importantes para veículos jornalísticos de comunidades pequenas e médias.

Há ainda a chance de que essas comunidades, que têm mais razões agora do que antes para perceber a necessidade e importância de contar com fontes de informação segura, se organizem para manter seus veículos jornalísticos, talvez em formato sem fins lucrativos.

A McClatchy Company, por exemplo, que edita dezenas de pequenos jornais em 14 Estados americanos, anunciou que, embora esteja em concordata, vai lançar um novo título, “The Longmont Leader”, em Colorado, nesse formato.

A gravidade sem precedentes da pandemia parece ter sido capaz de provocar reações não imaginadas até antes dela. Twitter, Facebook, Google, que se recusavam a exercer o seu papel de curadoria das informações veiculadas por seus canais, afinal têm sido mais ativos no combate à desinformação.

Eles têm alertado os consumidores sobre falsidades que aparecem em suas plataformas, apagado postagens que as contêm, inclusive de autoridades, como o presidente Jair Bolsonaro, e imposto limitações técnicas para sua excessiva disseminação pela sociedade.

Muito há de ser feito também por quem é responsável pelo jornalismo tradicional a fim de não permitir que seu atual prestígio social se esvaia. É verdade que as condições de trabalho de seus profissionais nunca foram tão difíceis.

As redações, que já vinham sido esvaziadas fazia anos devido à crise da própria indústria, agora estão praticamente desertas por razões sanitárias. Isolados, de suas casas, repórteres e editores se desdobram para fazer seu trabalho.

Apesar dos obstáculos, eles precisam se esforçar para errar o mínimo possível. Embora tenham acertado muito na cobertura da pandemia, também erraram, talvez por se fiarem demais, acriticamente, nos relatos de cientistas e autoridades médica, como, por exemplo, em especial nos estágios iniciais da doença, sobre a necessidade do uso de máscaras.

Uma das razões para a perda de confiança do público no jornalismo, anterior à pandemia e até mesmo à crise estrutural da indústria, foi a arrogância com que muitos jornalistas se portavam, como se fossem eles únicos donos da verdade.

O coronavírus dá a todos a chance de exercer a virtude da humildade. Os jornalistas devem ser mais guardiões da verdade factual do que provedores de certezas inabaláveis. Talvez isso os auxilie na busca da autossustentação de sua atividade profissional, mais necessária para o mundo agora do que nunca.