O GLOBO, n 32.320, 01/02/2022. Política, p. 4
Aconselhado a evitar atrito, presidente critica ato de Moraes
Jussara Soares, Patrik Camporez, Bernardo Mello e André de Souza
Em meio a embate com STF, Bolsonaro cancela ida à abertura do Judiciário
Em meio a um impasse com o Supremo Tribunal Federal (STF) por causa do seu não comparecimento ao depoimento marcado pelo ministro Alexandre de Moraes na última sexta-feira, na investigação pelo vazamento de um inquérito sigiloso da PF, o presidente Jair
Bolsonaro foi aconselhado por aliados a evitar novos atritos com o tribunal e especificamente com o ministro. Cumpriu apenas em parte. Em declaração ontem sobre o caso, ele disse confiar na Justiça e ter delegado sua defesa à Advocacia-Geral da União (AGU), mas sugeriu, sem citar Moraes, que o Judiciário tem atuação partidária contra ele.
Em outro sinal das relações estremecidas, o presidente cancelou sua participação hoje na sessão solene de abertura do ano do Judiciário, que será realizada de forma virtual na Corte, após marcar uma viagem para São Paulo.
A avaliação de auxiliares do Planalto ao pedir o armistício a Bolsonaro é que não haveria unanimidade entre os demais ministros sobre a determinação para que ele preste depoimento. Se Bolsonaro partir para o embate, acreditam esses auxiliares, a Corte pode se unir para defender a decisão de Moraes.
Integrantes do governo afirmam que a situação está contornada e que não há a intenção de nenhum dos lados de escalar para uma crise agora. Defendem a tese de que o presidente não é obrigado a comparecer ao depoimento. Além disso, a percepção é que Moraes já estaria convencido de que o presidente cometeu um crime, independente da ida dele ou não. Relatório da PF apontou a responsabilidade direta de Bolsonaro no vazamento de inquérito sigiloso sobre um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
— Aquele inquérito que eu revelei na minha live não era sigiloso. Transformou-se em sigiloso depois da live. Eu não vou entrar nesse cipoal. Temos que acreditar na Justiça. Agora, quando a Justiça começa a se comportar como partido político... entreguei na mão da AGU —disse Bolsonaro.
RECURSO
Em recurso encaminhado ao Supremo, a AGU solicitou que esse inquérito fosse retirado das mãos de Moraes. Ele é o relator de vários processos que têm Bolsonaro e aliados como alvos, e vem tomando decisões que têm dado dor de cabeça ao presidente. A tentativa da AGU não deu certo.
A investigação sobre o vazamento foi distribuída a Moraes por meio do mecanismo da “prevenção”, que é quando um ministro já conduz alguma investigação correlata.
Em 17 de agosto do ano passado, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, pediu uma reconsideração por parte de Moraes para que o processo fosse redistribuído por meio de sorteio. Ele sustentou que a notícia-crime, apresentada pelo TSE, no máximo guardaria “semelhança” com o inquérito das fake news.
Bianco também contestou o fato de a investigação ter sido instaurada sem que a Procuradoria-Geral da República (PGR) fosse instada a se manifestar nos autos. A PGR foi oficiada no dia 13 de agosto, tendo recebido o prazo de uma semana para se manifestar. Em 18 de agosto, a PGR encaminhou parecer ao STF, assinado por Augusto Aras, opinando pela continuidade das investigações – conforme noticiado pelo colunista Lauro Jardim.