Título: Brasil pode ganhar com a crise
Autor: Dantas, Cláudia
Fonte: Jornal do Brasil, 25/05/2008, Economia, p. E2

O sr. já disse uma vez que o Brasil pode ganhar com a crise, especialmente com repercussão positiva na produção de riqueza e no mercado de trabalho. Mas há um perigo de inflação internacional de alimentos. Como isso pode afetar o Brasil? ­ Eu estava me referindo ao benefício para o Brasil de um recuo das taxas de juros, que é bom para o mercado brasileiro de ações e uma gama de atividades de investimento. Dessa forma, isso pode ter efeitos positivos para o crescimento e o emprego. Uma situação como a atual gera duas conseqüências. A primeira é que as exportações vão sofrer. O outro ponto é que, se a economia americana entrar em recessão, a demanda por investimento nos Estados Unidos vai se enfraquecer. Isso tenderá a derrubar as taxas de juro pelo mundo afora. Desse movimento resultará um efeito positivo no nível de investimento no Brasil. Para o sr., inflações crô- nicas, que assombraram um grande número de países até pelo menos a década de 80 e que atormentaram o Brasil até meados dos anos 90, são um problema do passado. A inflação à vista é circunstancial, portanto. ­ Não se pode evitar a inflação de commodities no mundo inteiro, mas é possível se esforçar para prevenir que ela não se transforme em inflação de salários. Como? ­ Recusando-se a despejar di- nheiro fácil na economia. Há uma onda generalizada de análises positivas na imprensa sobre o Brasil: F i n a n cial Times, The Economist, The Guardian e El País são alguns dos grandes jornais do mundo que têm elogiado bastante o país. O sr. tem observado? Concorda com tais análises? ­ Eu tenho percebido que, nos últimos anos, o Brasil está mais aberto à competição e ao capital estrangeiro que muitos outros países da América Latina. Isso é positivo e torna naturais esses elogios. Num dos seus artigos, o sr. argumenta que não existe prova de que a redução de impostos sobre a folha de pagamento ajude a aumentar o emprego. Essa é uma idéia quase consensual no Brasil. O que o sr. pode dizer aos brasileiros sobre isso? ­ A falácia da tese de que a culpa para o baixo índice de emprego europeu é dos altos tributos sobre a folha de pagamento é que esse discurso não leva em conta que a redução dos salários líquidos trazida pelo aumento de impostos na folha de pagamento faz as famílias consumirem menos e a economizarem menos. Ao longo dos anos, a renda de uma família vai continuar caindo até atingir a mesma proporção baixa dos salários líquidos que tinha antes do aumento do imposto. Quando esse momento chegar, as famílias terão tanto incentivo para pertencerem a força de trabalho e serem bons empregados quanto tinham antes. Não se pode argumentar que o emprego na Europa vai mal por causa dos impostos. Você pode dizer que todos os benefícios criados pelo Estado de Bem-Estar formam uma criação artificial de riqueza social, que torna a vida mais confortável, mas que também tem efeitos prejudiciais ao emprego. O sr. é a favor de subsídios públicos para complementar a renda de trabalhadores com salários muito baixos. Conhece o Bolsa Família, o maior programa do governo brasileiro, que dá subsídios para famílias pobres manterem suas crianças na escola? ­ Claro. E acho que os cria- dores desse programa devem ser parabenizados por suas boas intenções. Concordo que educação é muito importante para o desenvolvimento econômico. É impossível superestimar a importância da educação. Só com ela é possível introduzir novas tecnologias, novos produtos e novos meios de produção. Mas acredito também que é necessário juntar esses subsídios, que são dispendiosos, com fontes de outra natureza ­ isto é, subsídios às corporações para o emprego de trabalhadores de baixos salários. Isso serviria para integrar desempregados e marginalizados do mercado de trabalho. Ainda aumentaria o poder de compra dos trabalhadores pobres. As famílias terão incentivos para trabalharem bem como manterem seus filhos na escola.