Título: Governo desencoraja esterilização feminina
Autor: Migliaccio, Marcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 26/05/2008, País, p. A2

Luciana Maria Bezerra tem 28 anos e está grávida de seu quinto filho. Seria o sexto se a paraibana radicada na favela da Rocinha, em São Conrado (Zona Sul do Rio) não tivesse perdido o primogênito antes que ele completasse o primeiro aniversário. Quando engravidou de Raíssa, hoje com 2 anos, ela foi a um posto de saúde da prefeitura, na Gávea, pleitear uma laqueadura.

¿ Disseram que eu era muito nova e que só fazem essa cirurgia depois do sexto filho ¿ conta Luciana, que está desempregada, não tem ajuda dos ex-companheiros e sobrevive na parte mais miserável da maior favela carioca.

A dificuldade enfrentada por Luciana é partilhada por milhares de mulheres brasileiras que não querem ter mais filhos, mas esbarram na diretriz dos governos federal, estaduais e municipais de priorizar os métodos contraceptivos em detrimento das cirurgias de esterilização irreversíveis. A meta estabelecida no PAC da Saúde para 2008 é de 51 mil laqueaduras, um aumento de apenas 1,9% em relação aos procedimentos do tipo realizados no ano de 2006. O número corresponde a 0,09% do universo de 52.470.736 mulheres em idade reprodutiva no país.

¿ Nossa política realmente é de desestímulo a essas práticas definitivas ¿ confirma Lena Peres, diretora-adjunta do Departamento de Ações Estratégicas do Ministério da Saúde. ¿ Estamos investindo pesado para oferecer a toda a população os métodos contraceptivos. O grau de arrependimento entre os que fazem vasectomia ou laqueadura chega a 30%.

A quantidade de contraceptivos em processo de compra pelo governo impressiona. Com investimento de R$ 100 milhões, deverão estar disponíveis na rede pública de Saúde ainda este ano 1 bilhão de camisinhas, 53 milhões de pílulas anticoncepcionais, 24 mil diafragmas e 300 mil dispositivos intra-uterinos (DIUs), entre outros.

O problema é convencer uma legião de jovens a usá-los.

¿ O adolescente se acha imune às doenças sexualmente transmissíveis e até à gravidez ¿ analisa Marco Apolinario, gerente de Saúde da Mulher da Secretaria Estadual de Saúde e Defesa Civil do Rio. ¿ Por mais que se informe nas escolas e na mídia, o descuido no momento do ato sexual é muito grande.

Que o diga J.E.B., 17, também moradora da Rocinha. Camelô como sua mãe, ela perdeu a virgindade aos 15 e durante seis meses transou com o namorado, um motoboy, sem qualquer precaução.

¿ Me disseram que só engravidaria depois de dois anos transando. Acreditei ¿ revela, mostrando a desinformação de quem abandonou a escola na 6ª série e nunca recebeu orientação sexual.

J. não quer nem pensar em ter outro filho, por isso agora toma pílula religiosamente.

¿ Estou com medo, fico o dia todo lembrando que tenho que tomar. Minha situação está muito ruim. Quando chove, meu barraco fica cheio de água.

Lena Peres concorda que o problema entre adolescentes é grave.

¿ Vamos lançar uma grande campanha ainda este ano.

Sem esperanças

A vontade de J. é mesmo fazer a ligadura de trompas, motivo pelo qual procurou um posto de saúde municipal. A Lei 9263, de 1996, no entanto, acaba com suas esperanças por ser menor de idade. Caso fosse maior, ela deveria ter pelo menos dois filhos, ou 25 anos, para pleitear a cirurgia. No posto da prefeitura, entretanto, J. foi mal informada.

¿ Disseram que só depois do terceiro filho ou com 28 anos.

Diana Cristina e Silva, gerente da Área Técnica de Saúde da Mulher da Secretaria Municipal de Saúde do Rio, relata que em oito hospitais da rede da capital foram feitas 1.374 laqueaduras em 2006, contra 1.002 no ano anterior:

¿ Nos preocupamos muito com métodos irreversíveis. Todas as interessadas devem ingressar nas palestras educativas e, depois delas, muitas desistem da laqueadura.