Título: Morte de líder dissolve hierarquia
Autor: Arêas, Camila
Fonte: Jornal do Brasil, 26/05/2008, Internacional, p. A21
Terceiro golpe em menos de dois meses, fim de Marulanda intensifica despolitização das Farc Camila Arêas Natural, a morte do fundador e líder máximo das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Manuel Marulanda Vélez, conhecido como Tirijo (tiro certeiro), não é triunfo da política belicista que o presidente Álvaro Uribe trava contra a guerrilha. Mas é tratada como um "duro golpe" por autoridades do governo e analistas, que sublinham que as já autônomas unidades militares especializadas no narcotráfico perderam a única liderança que, por respeito, ainda as mantinha fiéis ao alto comando da guerrilha. Iminente, a fragmentação hierárquica das Farc é intensificada pelo timing da morte de Marulanda: em menos de dois meses a mais antiga guerrilha latino-americana perdeu três de seus maiores líderes. O número dois, Raúl Reyes, foi alvo de um bombardeio colombiano no Equador e Ivan Rios foi assassinado pelos próprios subordinados que, em seguida, se desmobilizaram. O ministro do Interior e de Justiça da Colômbia, Carlos Holguín, disse que o país sente o alívio de se ver livre de uma das figuras que "mais mortes causou e sangue derramou". Dessa maneira continua-se avançando na eliminação das Farc e desse grupo terrorista de bandidos. Diretor do Centro de Drogas e Crime da Universidade de Rosario, Francisco Thoumi avalia que sem Marulanda, "as Farc enfatizarão mais o narcotráfico, diminuindo ênfase ideológica nas questões rurais": As frentes independentes que já tinham autonomia para traficar se especializarão no negócio, que lhes garante dinheiro e poder. Sem comando, as Farc definitivamente se converterão em uma organização traficante e despolitizada. Autor de Senhores da Guerra, o investigador Gustavo Duncan prevê "uma tensão crescente entre as diferentes facções da guerrilha": Marulanda era quem conferia unidade às Farc. Sem ele, entrarão em confronto duas tendências da guerrilha: aquela que prioriza o projeto político nacional de socialismo e aquela que foca na regionalização, com maior concentração de poder. Provavelmente, primará a segunda. Substituto "Nos braços de sua companheira e rodeado da guarda pessoal". Assim morreu o guerrilheiro mais velho do mundo "depois de um infarto em 26 de março", anunciaram ontem as Farc em um comunicado oficial, que adiantou seu substituto: Alfonso Cano. Guillermo León Sáenz, seu verdadeiro nome, é um antropólogo de quase 60 anos. Sua promoção já era esperada pelo Exército. Thoumi, que conheceu Cano como líder estudantil na faculdade, crê que apesar de "academicamente muito mais educado que Marulanda, Cano não contará com o respeito para impor a coesão à guerrilha": Cano é uma pessoa muito inteligente e ideológica, com uma visão de mundo bastante maniqueísta, de preto ou branco. Não acredito que tenha liderança e capacidade suficiente para impor respeito. Depois de classificar a morte de Marulanda como "um golpe moral contra a guerrilha", o vice-ministro da Defesa, Sergio Jaramillo, comentou sobre um encontro que teve com a líder guerrilheira Karina, uma das principais comandantes das Farc que se entregou à polícia dia 18: Em uma análise de 24 anos dentro da guerrilha, ela disse que as Farc estão acabadas. A figura de Marulanda ainda conferia coerência ao grupo. Até agora. Duncan avalia que, apesar de a morte Marulanda ser simbólica, o momento foi mais significativo: Depois de ter imposto a perda de dois líderes, o governo agora usa a fatalidade de Marulanda para crirar um clima de que as Farc estão perto de seu fim. Não creio nisso. Thoumi diz não se preocupar com o fim das Farc porque "o narcotráfico já está instalado no país": Com ou sem as Farc, as unidades sustentadas pela droga seguirão como gangues, traficando e extorquindo. Desta vez, isentas de ideologia. Um cenário mais violento.
Reservado e sereno, Marulanda fundou as Farc Reuters ACEFALIA Número dois das Farc, Raúl Reyes (centro), que seria substituto de Marulanda (esquerda) foi morto em 1º de março, seguido por Ivan Rios AFP FOCO Unidades militares se especializarão no tráfico, avaliam analistas Pedro Antonio Marín, o ver- dadeiro nome de Manuel Marulanda, era o mais velho de cinco filhos de uma humilde família de camponeses da aldeia de Génova, centro-oeste da Colômbia. Apenas com a educação básica, conseguiu alguns empregos modestos, como lenhador e vendedor de doces. Entrou na luta armada em 1950, durante o La Violencia, um conflito sangrento entre facções políticas liberais e conservadoras ocorrido na Colômbia. Influenciado por ideais marxistas de justiça social e reforma agrária, Marulanda sobreviveu a um sangrento ataque militar em 1964 contra uma cooperativa comunista chamada Marquetalia. Depois disso, transformou em guerrilha um movimento camponês de 48 indivíduos, que mais tarde chegou a ter mais de 17 mil homens. Assim nasceram as Farc. Apesar de dizer que lutava por reformas políticas, exerceu grande papel no tráfico de cocaína na Colômbia. Visto sempre com uniforme de combate e uma toalha pendurada sobre o ombro, Marulanda passou grande parte da vida na selva ao sul da Colômbia. De caráter reservado e temperamento sereno, Marulanda tinha 1,68 m de altura. Sabe-se que foi casado e teve vários filhos, sendo que uma delas o acompanhou na luta armada. Há notícias de que nunca visitou uma grande cidade. Quando eu morrer, pelo menos 20 ou 30 guerrilheiros poderão me substituir disse Marulanda, há alguns anos, em entrevista à TV venezuelana Globovisón. Depois de décadas de bombardeios, massacres e seqüestros, morreu de infarto em 26 de março.
Ideólogo moderado assume chefia da guerrilha Considerado o líder ideológico e de tendência moderada da guerrilha, Alfonso Cano é o líder que assumirá o comando das Farc. O guerrilheiro, que tem cerca de 50 anos e cujo verdadeiro nome é Guillermo León Sáenz Vargas, estudou direito e era até então o ideólogo político e coordenador do bloco ocidental das Farc, que atua no sudoeste do país. Cano entrou para as Farc após militar nos anos 70 na juventude do Partido Comunista, do qual chegou a ser um dos principais líderes. Foi preso três vezes quando era dirigente estudantil, após uma série de protestos na Universidade Nacional. Na década de 80, já nas fileiras das Farc, esteve à frente da fundação da União Patriótica, partido criado como parte das negociações de paz entre a guerrilha e o governo do presidente Belisario Betancourt. Após a ruptura dos diálogos e o início de uma campanha na qual mais de 3 mil militantes foram assassinados, Cano assumiu de vez as atividades das Farc e recebeu a direção do bloco noroeste do grupo. Liderou a delegação da guerrilha nas negociações de Caracas em 1991 e em Tlaxcala (México) em 1992, quando sua figura, com uma espessa barba e grandes óculos, se tornou familiar para o público. Pouco se sabe sobre sua vida privada. Um de seus irmãos, que abandonou as armas e se reincorporou à política, é membro partido de esquerda Pólo Democrático.