Título: Cientistas aplaudem e Igreja reage
Autor: Bruno, Rapahael
Fonte: Jornal do Brasil, 30/05/2008, País, p. A3

Licença do STF para uso de embriões coloca pesquisadores e CNBB em campos opostos

A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgou constitucional o artigo 5º da lei de Biossegurança e as pesquisas com células-tronco embrionárias. Em nota oficial divulgada ontem, a entidade voltou a defender o uso de células-tronco adultas e disse que as embrionárias "não são o remédio para a cura de todos os males". De acordo com a CNBB, o embrião é um ser humano e como tal tem o direito de ser protegido pelo Estado, independentemente de estar congelado in vitro ou se desenvolvendo no útero materno. "É lamentável que o STF não tenha confirmado esse direito cristalino, permitindo que vidas humanas em estado embrionário sejam ceifadas". A CNBB lembrou que alguns ministros do STF compartilharam das visões da entidade, o que, segundo ela, serviu para demonstrar de que não se tratava somente de uma questão religiosa, mas de posicionamento em defesa da vida "desde a fecundação". A nota é concluída com a reafirmação de que a entidade "continuará seu trabalho em favor da vida, desde a concepção até o seu declínio natural". Decisão histórica Já o presidente da Frente Par- lamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência na Câmara, deputado Geraldo Resende (PMDB-MS), classificou a decisão do STF como a "mais importante da história" do tribunal. ­ É uma oportunidade única para o Brasil avançar nas pesquisas, alçando o país ao mesmo patamar de outras nações desenvolvidas ­ observou. Resende também minimiza as promessas de alguns grupos religiosos em torno de uma Proposta de Emenda Constitucional proibindo de vez qualquer tipo de pesquisa com as células-tronco embrionárias. ­ Será uma iniciativa fadada ao insucesso ­ afirmou o deputado, lembrando da ampla margem pela qual a Lei de Biossegurança foi aprovada na Câmara em 2005. Do lado de fora do tribunal, cientistas favoráveis à autorização das pesquisas e principalmente cadeirantes comemoraram bastante a decisão do STF. A decisão também foi bem recebida por representantes da comunidade científica. O presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM), Carlos Lopes, acrescentou que a grande vitória não foi dos pesquisadores, mas da comunidade de pacientes que pode vir a ser beneficiada pelos resultados das pesquisas. ­ Agora precisamos ter consciência de que foi só a primeira etapa do processo ­ disse. ­ Temos que avançar nas questões da regulação, na vigilância e no financiamento. Rumo à modernidade Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Marco Antonio Raupp acredita que a decisão do STF pode ser uma oportunidade única para que a ciência ocupe um papel de destaque na modernização do país. Mas também prefere ser cauteloso em relação às possibilidades de desenvolvimento de tratamentos no curto prazo. ­ Pesquisa científica é um longo e árduo caminho. Não se pode esperar grandes resultados para amanhã ­ completou. Tanto Raupp quanto Lopes rechaçam os receios dos ministros do STF no sentido de que era necessário criar mecanismos mais severos de controle das pesquisas antes que elas pudessem ser autorizadas. Ontem, a questão esteve no centro do que foi, sem dúvida, o momento de maior elevação dos ânimos ao longo no julgamento. Ao final dos votos, o ministro Celso de Mello se engajou em verdadeiro bate-boca com o ministro Cezar Peluso. Mello tentava apressar o encerramento do julgamento alegando que os seis votos necessários à derrubada da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que questionava o artigo 5º da lei já haviam sido dados quando foi interrompido por Peluso. O ministro indagou ao colega Mello por que o havia deixado de fora da contabilidade dos que votaram a favor das pesquisas. Peluso havia declarado a necessidade de que todas as iniciativas na área fossem submetidas à autorização e acompanhamento do governo federal e fez questão de deixar claro que "declarava" que a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa seria o órgão responsável. Mello respondeu secamente: "Os seis votos não declaram nada", se referindo aos ministros que não fizeram nenhum tipo de ressalva às pesquisas. Foi necessária a intervenção bem-humorada da ministra Carmem Lúcia para dar um fim à discussão e ao julgamento histórico. ­ Olha, eu não sou célula-tronco mas estou congelando aqui ­ brincou a ministra, fazendo referência ao ar-condicionado e apaziguando a tensão entre os colegas de tribunal.