Título: O gosto pela polêmica persiste
Autor: Dantas, Cláudia
Fonte: Jornal do Brasil, 29/05/2008, Economia, p. A17

Conceição Tavares diz que mesmo com avanços, Brasil continua carecendo de reformas

Nem mesmo a obtenção do grau de investimento, do aumento do preço das commodities brasileiras no mercado externo e dos bons ventos que sopram a favor da economia do país tiraram da economista Maria da Conceição Tavares o gosto pela polêmica. A professora acha que desde a época de seu colega Celso Furtado, homenageado na terça-feira, continuam faltando reformas fundamentais para garantir o crescimento sem exclusão social no Brasil.

A preocupação de Conceição está diretamente relacionada ao fato de o Brasil ser visto como o grande celeiro mundial. Para a economista, esse cenário não pode perdurar para sempre, o país precisa buscar outros caminhos de exportar e "manter a balança de pagamentos positiva, que, aliás, já apresenta déficit", ressaltou.

¿ A taxa de câmbio favoreceu o Brasil. A nossa produtividade agrícola hoje tem superado a dos Estados Unidos, que, tradicionalmente, sempre foi o maior beneficiado com a alta destes itens ¿ frisou Conceição, que discursou por quase três, na noite de terça-feira, para uma platéia de economistas, pensadores e professores no Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea).

Grau de investimento

Mas Conceição acredita que o súbito interesse pelo Brasil, por causa da obtenção do grau de investimento pela agência americana Standard & Poor¿s no fim do mês passado, não descarta a hipótese de o país ser vítima do capital especulativo.

A economista também teme a recessão americana. Ao contrário dos constantes argumentos de defesa da equipe econômica, o Brasil pode ser afetado e, segundo Conceição, nem mesmo a criação do fundo soberano brasileiro poderá afastar os riscos de se viver uma crise, caso o país seja afetado.

¿ O fundo não é garantia de proteção. Durante a era FHC, tínhamos US$ 80 bilhões em reservas cambiais, no entanto fomos vítimas de várias crises que rapidamente consumiram nossas reservas ¿ ponderou Conceição.

A economista também criticou as ações do Ministério do Planejamento, que hoje "limita-se a acompanhar o orçamento e a cortá-lo, quando necessário", disse.

¿ São medidas de contingenciamento, apenas ¿ rebateu.

As críticas respingaram sobre os "meninos do Banco Central", menção carinhosa ao presidente Henrique Meirelles e equipe. Conceição acredita que a instituição fica apenas no controle de metas, de inflação, de crescimento.

¿ A despeito da transferência de recursos, o Brasil continua o mesmo da década de 60. As reformas sugeridas por Furtado naquela época, até hoje não foram colocadas em prática.

O economista Celso Furtado sugeria as reformas agrária, fiscal, administrativa, universitária, eleitoral, bancária e a criação de um estatuto disciplinar para a entrada de capital estrangeiro.

Em relação à reforma agrária, pouco se avançou. Segundo Conceição, os latifundiários não estão mais no campo, migraram para a construção civil e outros negócios, mas as terras continuam nas mãos de poucos, e a exclusão social persiste.

As idéias de Furtado também avançaram pouco na questão fiscal, que defendia, entre outras coisas, o imposto sobre as grandes fortunas e o imposto sobre o valor agregado.

Quanto às reformas administrativa e universitária, Conceição destaca um sistema educacional totalmente excludente e inalcançável para o pobre: "o contraste de eficiência e abrangência social continua", comparou.

Sobre a reforma eleitoral, o Brasil avançou um pouco, mas apenas no aspecto tecnológico. Já a reforma bancária, relembrou Conceição, foi efetuada a duras penas, em plena crise cambial na década de 90.

Boa parte dos bancos, na época, faliram depois da estabilização da moeda. Nem mesmo o Proer (programa de governo criado para socorrer os grandes bancos) foi suficiente para conter a quebradeira.

¿ Inflação e câmbio, foi muito difícil conter essa brincadeira. Hoje, o cenário está restrito a três bancos públicos e três privados ¿ lembrou.

O debate com a economista encerrou o ciclo de palestras O Pensamento de Celso Furtado, realizado nos meses de abril e maio na sede do Ipea.

Durante o encontro, foi exibido o documentário The Troubled Land (A Terra de Problemas), gravado nos idos dos anos 60 pela TV americana ABC, com apoio de Celso Furtado, e tratava da situação social no Nordeste, censurado durante o regime militar por ter sido considerado subversivo.