Título: Imperativos da ciência no século 21
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 31/05/2008, Opinião, p. A8

A DECISÃO DO SUPREMO Tribunal Federal de liberar pesquisas com células-tronco de embriões humanos encerra o percurso de três anos de esperanças e temores em torno do tema. Foi um julgamento considerado dos mais relevantes da história do tribunal, que pôs em lados opostos a Igreja Católica e a comunidade científica, dividiu integrantes da mais alta Corte do país mas, enfim, decretou a constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Bios segurança. Escancaram-se as portas para avanços científicos in dispensáveis ao século 21. Com o esperado êxito das pesquisas, será possível obter tratamento médico de males hoje insanáveis. São compreensíveis, portanto, as mensagens de euforia e alívio emitidas por cientistas, pesquisadores, portadores de deficiências e demais apoiadores de uma ciência que se alicerça não na morte, como quiseram mostrar alguns, mas na vida. O STF consagrou uma concepção de liberdade que não se restringe ao direito de pesquisa, mas que retomará, sem tardança, o debate sobre questões próprias dos avanços do mundo contemporâneo. Merecem enfáticos elogios os ministros do Supremo, não só pela acertada decisão como também pelas exposições repletas de erudição, vasto conhecimento de embriologia e reflexões epis temológicas sobre a ciência, bioética, seus métodos e premissas. O STF votou pela liberdade da ciência num Estado laico e concedeu vitória à razão sobre especulações de ordem religiosa. No resultado oficial, seis dos 11 ministros da Corte mostraram-se favoráveis às pesquisas. Mas daí se pode entender que foram nove ou 10 votos a favor, pois nem todos foram computados na maioria vitoriosa por incluírem condicionamentos para autorização e prática das pesquisas. O voto mais contundente em defesa da liberação do uso das células-tronco foi de Celso de Mello. Ciente de que a laicidade deve prevalecer, ele criticou com veemência qual quer tentativa de encarar o tema sob viés religioso. "A laicidade do Estado não se compadece do exercício da atividade pública movida pelo dogma da fé", su blinhou o ministro. O receio das autoridades ca tólicas é que interesses mercadológicos menores acabem so brepondo-se à preocupação com a saúde e a vida. Trata-se de um alerta legítimo. Mas a lei contém consideráveis salvaguardas contra aventuras irresponsáveis com a vida humana. Limita as pesquisas com embriões aos remanescentes de tratamento de fertilidade que não foram ­ e nem seriam ­ implantados em útero humano, sendo, portanto, nulas as chances de se produzir um ser humano a partir desses. Ou, nas palavras do ministro Marco Aurélio Mello, "os embriões serão destruídos de qualquer modo. A questão é saber se serão destruídos fazendo o bem para outras pessoas ou não". Outro ministro, Joaquim Barbosa, também tocou no ponto: se negada fosse a liberdade de pesquisa, em nome da vida dos embriões recolhidos à inutilidade do congelamento, o país aceitará os tratamentos criados por pesquisas de outra nacionalidade? Acres cente-se, neste terreno, a evidência de que muitos pacientes não têm em outro meio senão a terapia com células-tronco a esperança para solucionar doenças de difícil tratamento que portam. A decisão beneficiará portadores de diversificadas e inúmeras doenças, além de amenizar o drama daqueles que estão há anos em filas para receberem transplante de órgãos ­ a imensa demanda não condiz com a pequena oferta de doações. Para o tratamento de câncer, as células-tronco embrionárias agem na reconstrução dos tecidos. No mal de Parkinson, trabalham na reposição das células cerebrais. Em casos de traumatismo da medula espinhal, repõem células neurais da parte do sistema nervoso central contida na coluna. Para o tratamento da diabetes, novas células produtoras de insulina poderão ser infundidas no pâncreas. São passos inadiáveis para a ciência, sem os quais o Brasil abriria mão de dar sua contribuição a produzir melhoria e esperança para a humanidade.