Título: Brasileiros são foco de reforma agrária para revisar História
Autor: Arêas, Camila
Fonte: Jornal do Brasil, 23/05/2008, Internacional, p. A21

Integrantes do novo governo de Lugo antecipam mudanças na lei de terras

Desarticulada e composta por mais de 12 partidos, a Aliança Patriótica para a Mudança, legenda que elegeu o ex-bispo Fernando Lugo à Presidência do Paraguai, tem uma certeza que aflige os brasileiros: a reforma agrária será prioridade a partir de 15 de agosto. Antes mesmo de ganhar forma ou de ser nomeada a equipe que se debruçará sobre a questão, partidários da Aliança admitem que os brasileiros serão os mais afetados. Não se trata de xenofobia, cravam, mas de um revisionismo, porque durante a ditadura (1954 - 1989) os brasileiros compraram terras do Estado que deviam ter sido entregues a beneficiários paraguaios.

Dentre as primeiras medidas previstas pelo novo governo "é tratada como urgente a criação de um cadastro nacional de propriedades", diz o senador da Aliança e especialista na questão agrária, Sixto Pereira:

¿ Depois, prevê-se realizar um estudo histórico-jurídico da aquisição das terras. Por fim, se colocará sobre a mesa de negociação os beneficiados e os afetados pela reforma, entre eles, os 400 mil brasileiros que cultivam nosso solo.

Durante 60 anos de governo do Partido Colorado, a terra foi usada como "instrumento de barganha clientelista", avalia Pereira:

¿ A ausência de reforma agrária foi estratégica para controlar os movimentos sociais e camponeses. É essencial a Lugo reverter este estadismo. A situação jurídica da terra deve ser saneada. O Estado vai recuperar as terras violentadas por pessoas, empresas ou instituições, sejam eles paraguaios ou estrangeiros. Os brasileiros que foram usados como fantoches de funcionários inescrupulosos deverão se adequar ao estatuto agrário. Não se trata de xenofobia ou perseguição. Se eu produzir no Brasil, terei de me adequar às leis locais. O mesmo deve ocorrer aqui. Não é uma questão ideológica, mas constitucional e democrática.

Ex-embaixador do Paraguai no Brasil e atual diretor do Centro de Estudos Rurais e de Reforma Agrária da Universidade Católica, Carlos Alberto González prevê mudanças estruturais no setor de terras:

¿ A base social de Lugo fez escola no campo. Espera-se que pela primeira vez se faça cumprir a lei agrária. Assim como devem ser respeitadas as propriedades privadas, a Justiça deve revisar os casos em que as terras foram vendidas, na época do ditador Alfredo Stroessner, a não beneficiários pelo então Estatuto Agrário. Se há infração, deve ser expropriada.

Expulsão

O diplomata sublinha que "o aumento da produção nacional de soja, impulsionado pelos grandes produtores brasileiros, expulsou o pequeno agricultor paraguaio":

¿ Marginalizados, emigraram para a Argentina. Nem ao Brasil podem ir porque aí a lei se cumpre.

Em resposta à tendência, Pereira adianta que está em discussão a criação de leis tributárias para frear a especulação da terra, além de um imposto para a grande produção.

¿ O objetivo é garantir a soberania alimentar, a diversidade de alimentos e a potencialização da agroindústria.

A lei de fronteira nacional paraguaia em vigência proíbe qualquer estrangeiro de ser dono de grandes propriedades 50 km adentro da fronteira oficial, explica José Ledesma, eleito governador pela Aliança para o Estado de San Pedro ¿ onde na semana passada queimaram a bandeira brasileira.

¿ Vamos fazer valer a legislação, sem distinção de nacionalidade, credo ou cor. Os brasileiros terão de se ajustar às regras do jogo.

No limbo, está a lei que garante indenização aos expropriados.

¿ O artigo que dita sobre um pagamento prévio àquele que foi expropriado deve ser revisto porque é arbitrário ¿ avalia Pereira.

Sobre a queima da bandeira brasileira, Ledesma saiu pela tangente:

¿ Os brasileiros queimam nosso bem, que é nossa terra. Violentam a lei ambiental, envenenam o solo e contaminam vilas inteiras. Mas nosso confronto não é com o Brasil, é com o nosso país e institucionalidade corrupta. A queima da bandeira foi a forma encontrada para dizer a Lugo que não queremos ser escravos do nosso país, que a lei é para todos os paraguaios.

O futuro governador prevê mais protestos do gênero até o dia 14. Mas a partir do 15, quando assume Lugo, "tudo acabará porque o otimismo é grande", aposta.