Título: O Acre 16 anos depois de Chico Mendes
Autor: Paulo Celso Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 21/02/2005, País, p. A5

Há 16 anos, morria Chico Mendes, o maior representante das disputas de terra na Amazônia, lutando por uma exploração coerente da floresta, sem desmatamento, por meio do extrativismo. Desde então, a situação no Acre mudou muito. Com o vulto mundial dado à morte do seringueiro, o estado passou a valorizar a floresta.

O jornalista Elson Martins, que estuda a situação desde 1976 e está escrevendo um livro sobre a história da disputa, afirma que ainda há latifúndio na região, mas sem conflito.

- O Acre deu uma lição ecológica ao país. Esses avanços redundaram num modelo eficiente de reforma agrária na Amazônia. Hoje se trabalha em reservas extrativistas, fazendo uso coletivo da floresta através de manejos comunitários. A partir dos anos 90, todas as terras pleiteadas pelas organizações de seringueiros e índios foram respeitadas. Não há mais seringueiro submetido a patrão seringalista - explica.

Com uma população atípica, formada basicamente por seringueiros e ribeirinhos que vivem dentro da mata, o estado viveu de 1970 a 1990 intensos conflitos, motivados pela vontade de muitos fazendeiros em desmatar para criar campos de pastagem. Do outro lado, a população conhecida como Povo da Floresta tentava impedir a dizimação das árvores que davam seu sustento.

- Essa população atípica, formada por seringueiros e ribeirinhos que vivem dentro da floresta, começou uma disputa como resistência ao desmatamento das árvores que eles valorizavam, como castanheiras e seringueiras. A princípio era para garantir a terra e a floresta. Esse foi o grande passo para a criação da reserva extrativista - afirma.

As disputas no Acre começam a se acentuar a partir dos anos 70, quando a borracha deixou de ser um bom negócio para os grandes seringalistas, antigos donos das terras. Eles começaram a vender os seringais com os seringueiros dentro.

- Cerca de um terço das terras do Acre em 70 foi vendido assim, de forma mais ou menos ilegal, porque não existia documentação correta das terras. Dos 15 milhões de hectares do estado eles venderam 5 milhões - explica Elson.

Hoje o Acre tem mais de 50% das terras protegidas por legislação ambiental, mas ainda há certa apreensão em relação ao projeto de ampliar o manejo de madeira certificada:

- Quem fica de fora do projeto se queixa. A impressão é de que está tudo bem, mas lá dentro tem uma coisa em efervescência. Esse é um novo embate que surge 16 anos depois da morte de Chico Mendes.

Elson é otimista. Para ele, o Povo da Floresta tem dado uma lição de modernidade:

- Essa sociedade, considerada atrasada há 30 anos, é moderna na perspectiva do desenvolvimento sustentável.

Apesar do otimismo de Elson, há quem discorde. Para o sociólogo e jornalista Lucio Flávio Pinto (ver entrevsta na página A2), o extrativismo é aparente adequado, mas não representa uma solução de mercado.

- Não é capaz de dar ao estado a capacidade de competir seja no mercado regional, no nacional e principalmente no internacional. São soluções de alcance limitado. É por isso que o Acre é o estado mais subdesenvolvido e mais pobre da Amazônia, por praticar o extrativismo vegetal, que garante apenas um crescimento vegetativo, em seguimentos muito localizados da economia do Acre. Por isso o Acre está tão atrasado.