Título: Senado admite mudar Lei Fiscal
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 23/01/2005, País, p. A5

Parlamentares estudam ajustes com o objetivo de tornar viável a execução dos dispositivos da LRF sem afrouxá-la Representantes do Senado admitem a possibilidade de aperfeiçoar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) este ano, desde que a aversão do Executivo ao tema seja removida. Os senadores consideram um avanço a legislação, sancionada em 2000 para impor aos governantes disciplina na utilização dos recursos públicos, e garantem que os pontos principais do texto não serão alterados. Caso dos limites de endividamento e o dos tetos fixados para gasto com pessoal.

De acordo com eles, as possíveis mudanças também não serão feitas para livrar prefeitos e governadores que descumpriram as regras das penalidades administrativas e criminais previstas na LRF. Entre elas, a perda do direito de concorrer em eleições e detenção por até quatro anos. Os ajustes visariam apenas a tornar viável a execução de todos os dispositivos do texto, sem que houvesse um afrouxamento do rigor fiscal, exigido entre outros pelo mercado, ao qual prefeitos e governadores estão submetidos. - O Senado é a casa da Federação. Temos de encontrar uma maneira de resolver o problema de estados e municípios sem ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal - diz o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), senador Ramez Tebet (PMDB-MS). Ele defende um aperfeiçoamento definitivo da legislação. Uma de suas sugestões é a substituição do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) do papel de indexador da dívida pública. A mesma proposta é defendida por um senador do PT que tem prestígio muito acima da média dos demais parlamentares no Palácio do Planalto. A definição do IGP-DI é influenciada, entre outros, pelo câmbio. Quando há valorização do dólar em relação ao real, como aconteceu em 2002, o resultado natural é um aumento do estoque da dívida pública.

- Estão pagando a conta e devendo cada vez mais - afirma Ramez Tebet

Outro senador da base aliada também sustenta que governadores e prefeitos enfrentam sérios problemas no relacionamento com o governo central.

- Estados e municípios estão completamente indefesos em relação ao governo federal - acrescenta o senador Ney Suassuna (PMDB-PB), referindo-se ao poder da União de interferir na cotação do dólar.

Vice-líder do governo e candidato a ocupar a liderança do PMDB no lugar de Renan Calheiros (AL), que assumirá a presidência do Senado em fevereiro, Suassuna é autor do relatório da Subcomissão Temporária da Dívida Pública, apresentado em novembro de 2003.

O texto, que está à espera de votação na CAE, sugere o abatimento de surtos inflacionários e desvalorizações cambiais do total da dívida de estados e municípios com a União. Por isso, Suassuna defende a substituição do IGP-DI. Segundo Guilherme Loureiro, da Tendências Consultoria, o mercado vê com bons olhos essa proposta. Os senadores também podem reformar o conceito de receita corrente líquida (RCL), que é a base de cálculo do pagamento das parcelas da dívida de estados e municípios com a União.

A idéia é retirar determinados recursos do cômputo da RCL, como defende o prefeito de Aracaju, Marcelo Déda (PT). Inspira-se, de certa forma, nas negociações do governo federal com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para excluir parte dos investimentos em infra-estrutura do cálculo do superávit primário - a economia realizada para pagamento dos juros da dívida.

- É notória a má vontade do governo em relação à essa proposta - declara Suassuna.

Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (PTB-RN) também considera possível o aperfeiçoamento da LRF, desde que a equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dê sinal verde à iniciativa.

- Se formos aperfeiçoar para corrigir injustiças, tudo bem. Agora, mexer para afrouxar é uma irresponsabilidade - declara Bezerra.

Ex-ministro da Fazenda, o economista Maílson da Nóbrega considera ''exagerado o temor de que, se o governo ceder, a LRF será remetida ao cemitério das leis que não pegam''.

Nóbrega defende a adoção imediata de mudanças na LRF a fim de solucionar as dificuldades enfrentadas por estados e municípios para enquadrar suas dívidas, até 30 de abril, aos tetos definidos na legislação. Uma de suas sugestões é substituir a regra atual de ajuste dos débitos por outra, pautada em superávits primários. Outra é dar mais tempo para que governadores e prefeitos respeitem as normas da Resolução 20, de 2003, do Senado.

Segundo a resolução, a dívida consolidada líquida não poderá exceder a 200% da RCL no caso de estados e a 120% da RCL no caso de municípios. Além disso, os valores acima dos tetos fixados têm de ser reduzidos à proporção de 1/15 a cada ano. A data do primeiro abatimento está marcada para 30 de abril. Na ocasião, o município de São Paulo terá de diminuir a dívida do patamar atual, de 233% da RCL, para 178%, conforme o consultor Guilherme Loureiro.

A necessidade de desembolso é de R$ 8 bilhões. Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, é natural que daqui para frente seja passado um pente-fino na Lei de Responsabilidade Fiscal para separar os dispositivos que podem ser executados daqueles que precisam de aperfeiçoamento, de modo a não crucificar os mandatários atuais por falhas cometidas no passado.